Auferre, trucidare, rapere, falsis nominibus imperium; atque, ubi solitudinem faciunt, pacem appellant.
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16.12.09
Às avessas
O "filósofo" Olavo de Carvalho, que cometia artigos no Globo antes de ficar maluco demais pra este, e hoje recebe uma sinecura do Afif para morar na Virginia, vive de repetir e traduzir lugares comuns da extrema direita americana. Não tem nenhuma relevância além da cômica (ao contrário do seu colega Reinaldo Azevedo, que afinal ainda escreve na Veja, e muito apropriadamente o Hermenauta sacaneia). Mas uma afirmação dele num de seus programas me chamou a atenção porque já a vi antes, em outros lugares, e até dita por gente que não se considera racista: a de que (parafraseando) "a escravidão já existia na África, e se fosse pra escolher o escravo preferia ser vendido para o português."
A afirmação, além de preconceituosa (porque parte do princípio, reificado, de que o português é superior, no caso como dono de escravo), é falsa. É mais do que falsa: é o contrário do que acontecia na realidade. Temos carradas de fontes, do século 17 ao 19, que apontam para o uso da ameaça da venda aos brancos para pôr escravos na linha. Isso não é nenhuma novidade da pesquisa historiográfica - Bastide e Verger já tinham recolhido fontes com esse dado. Se calhar até o Nina Rodrigues. A ameaça se baseava em parte no desconhecimento sobre o que seriam esses brancos estrangeiros (Olaudá Equiano, o primeiro escravo a publicar sua própria autobiografia, fala que achava que os brancos eram canibais), em parte na realidade do inferno que eram a escravidão nas plantações das Américas (muuuuuito pior do que a escravidão na África, com exceção dos poucos escravos de minas e salinas) e, especialmente, no inferno particular que era o navio negreiro. Olhem a foto que abre este post. Tão vendo? Pois bem, o navio ilustrado, na verdade, teria 60% a mais de negros do que o representado; a ilustração mostra o limite de ocupação imposto na Inglaterra no fim do século XVIII, não a realidade, ignorando a lei ou antes dela. Há 462 seres humanos empilhados no navio, com as dimensões corretas, que se chamava Brookes, na ilustração. Em sua última viagem antes da ilustração, o mesmo navio carregou 601. Na mais lucrativa antes disso, mais de 800. Ah, e a ilustração não dá espaço pras vigas suportando o convés, nem pras tinas de excremento.
Realmente, tudo que eu desejaria na vida seria ir parar num lugar desses. Por seis meses a um ano.
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