Com a alta no preço do petróleo e a baixa nas calotas polares*, tem gente parecendo achar que o Brasil vai virar a Arábia Saudita dos biocombustíveis. Odeio jogar água fria no sonho do Brasil Grande, mas... o melhor rendimento conseguido hoje na produção de bioenergia com dendê (na Malásia) e cana de açúcar (em São Paulo) é de 1,4e+11J/ha (líquidos) Só pra suprir o consumo de energia fóssil brasileiro, de 6e+18J, você precisa de quarenta milhões de hectares de terra cultivada em regime intensivo (para além do que é cultivado hoje. Digamos uns 25 milhões de hectares (um pouco mais do que a área de São Paulo) pra dendê, que teriam que ficar no Amazonas, porque a área apropriada pro cultivo de dendê fora desse estado, segundo o Ministério da Agricultura, é de quinze milhões de ha. E 15 milhões de ha a mais pra cana de açúcar, parte da qual teria que ser irrigada.
Isso é só pra suprir as necessidades brasileiras. Pra exportar algo parecido com as exportações sauditas de petróleo, seriam 2.800.000Km2 de área cultivada com dendê e cana, dos quais pelo menos metade teria que ser irrigada, com água o bastante pra secar o Paraná e o Tocantins. E isso sob condições ideais, o que é mais ou menos como dizer "se a rainha da neve e o mago merlin ajudarem." Na prática, a maior (de longe) refinaria de biodiesel planejada no momento vai se situar em SP e processar óleo de soja.
Continuo achando biocombustíveis uma boa idéia, mas não em termos grandiosos de Brasil Grande ou empreendedores de agroexportação; acho a noção de incentivar a mamona e as palmeiras (dendê e babaçu) na região Norte/Nordeste, excelente, já que ela ambiciona transformar essas colheitas em "cash crops," em cultivos que complementam a agricultura familiar de subsistência, permitindo geração de renda monetária pros minifúndios; se combinada com um plano de reforma agrária real, poderia ser a, com o perdão do trocadilho, salvação da lavoura pr'essas regiões. (É um grande "se"; a última notícia de vulto sobre reforma agrária no nordeste foi o plano dos ministérios da Agricultura e Integração de fazer uma reforma agrária ao contrário nas áreas atingidas pela transposição do São Francisco.)
Até esse plano tem um problema, ou melhor, dois problemas. O primeiro é que do ponto de vista da produção de energia, ou da substituição de energia fóssil por agrícola, a mamona (como a soja, o milho e a canola) não é lá grandes coisas. O balanço energético dessas colheitas está por volta de 1,4 a 1,6 (dependendo da técnica e clima). Isso significa que, pra cada unidade de energia fóssil gasta pra plantar, colher e processar a mamona, você ganha 1,4 unidades de energia "biológica." Em outros termos, um litro de biodiesel de mamona não está aposentando um litro de diesel de petróleo, porque você gastou uns 650ml de diesel pra produzi-lo. (O álcool de cana e o o óleo de palmeiras têm balanços energéticos entre 6 e 8,5) O segundo é que, do ponto de vista da requalificação econômica do campo brasileiro, o lado "fome zero" do programa, bem, o óleo de mamona é mais caro do que o diesel. Faz mais sentido uma trading do governo pra comprar mamona de agricultores familiares, ou o incentivo à formação de cooperativas, do que a compra de um óleo caro pra fazer diesel; a razão que eu consigo imaginar para esse foco, que não foi explicitada pelo governo, é que, se a mamona se difundir a ponto de uma parcela significativa do Nordeste cultivá-la, o preço do óleo de mamona cairia drasticamente no mercado internacional, já que a oferta ultrapassaria em muito a demanda.
*O Joseph Stiglitz alega que, numa palestra do Fórum de Davos, viu executivos de companhias petrolíferas explicarem que a retração das calotas polares e geleiras abriria novos campos de exploração petrolífera. Si non è vero, è bene trovato.
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