Auferre, trucidare, rapere, falsis nominibus imperium; atque, ubi solitudinem faciunt, pacem appellant.
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13.9.05
Xepa
A solução para o problema logístico brasileiro: Cruzador Espacial Yamato e Galaxy Express 999
Semana passada, fiz um belo* post sobre a necessidade do Brasil enfrentar o seu quinhão de responsabilidade, e ir além, quanto ao aquecimento global. As medidas de redução de emissão de gases do efeito estufa proposta teriam, ainda, na maioria dos casos, consequências ambientais locais mais imediatas, e às vezes de grande peso, como é o caso de um reordenamento do transporte público que diminuísse o uso de óleo diesel, e portanto a emissão de fuligem, responsável na Europa pela maior parte das mortes devidas à poluição.
Onde a porca torce o rabo é que todas essas medidas teriam custos, financeiros e outros, e à guisa de expiação pela recomendação fácil aos que não ouvem, resolvi lembrar de alguns:
1) O menor custo, ou melhor, o mais pulverizado e incremental, portanto mais fácil de ser enfrentado no Brasil em que os juros têm dois ou três dígitos há décadas, é a substituição dos ônibus diesel-mecânicos que hoje infestam as cidades brasileiras por ônibus diesel-elétricos, também conhecidos como "híbridos." O nome híbrido vem da indústria automobilística, com seus carros 'híbridos" entre o elétrico e o a gasolina, mas o princípio é empregado há bastante mais tempo em locomotivas, sem nenhuma preocupação ambiental ou mesmo de conservação de combustível: é que há limites para a energia que pode ser transmitida mecanicamente, através de uma caixa de câmbio, do motor aos eixos. Enfiar um gerador a diesel em cima da locomotiva, alimentando um motor elétrico, foi chamado de "transmissão elétrica," e o único limite de potência teórico é o da potência máxima de um motor elétrico - no momento, 750MW, a potência das turbinas de Itaipú e Três Gargantas, e umas cem vezes mais do que os trens mais potentes. Na prática, o tamanho e peso são limitantes, tanto do tamanho dos motores quanto dos geradores - os trens mais potentes comem energia de uma linha externa, porque o diesel necessário para alimentar um trem desses drenaria vários vagões rapidamente.
O Brasil tem tecnologia para fabricar e exportar ônibus diesel-elétricos. Com um financiamento do BNDES (a maior fonte de recursos à disposição do poder público brasileiro), a produção em grande escala seria até simples. Existe mais de 50.000 ônibus urbanos no país; um programa que substituísse 5% deles a cada ano implicaria em (100.000US$/bus x 2.500 bus) 250 milhões de dólares por ano de financiamento. O maior obstáculo não é o preço, mas o mesmo que prejudicaria outra medida no mesmo sentido e de custo zero, a reordenação das linhas de ônibus nas regiões metropolitanas. A saber, que o transporte público, formal e informal, costuma ser gerido por máfias. Máfia no sentido cabeça-de-cavalo-na-cama mesmo. E pra eles, o ônibus diesel-elétrico, que dura uns 20 anos, não tem tanta graça quanto receber subsídios pra comprar novos ônibus a cada quatro anos. Além disso, o transporte público, no Brasil, sofre uma concorrência pesada do transporte informal; para que o ônibus diesel-elétrico fizesse efeito, ele teria que ter custo baixo o bastante para concorrer com as vans e quetais, o que significa subsídios estatais ao transporte público. Coisa de um ou dois bilhões de reais, dependendo do preço em que as vans não pudessem mais competir.
2) A alteração da matriz de transporte de carga brasileira é talvez a mais cara de todas as coisas mencionadas. Isso porque qualquer solução que baixe o consumo de energia baixa o custo do transporte, aumentando a demanda. A não ser que você estivesse falando de uma eletrificação generalizada nas ferrovias - e aí você não tá mais falando do Brasil, tá falando da rica nação de Pindorama pós-fusão nuclear - a eficiência pode dar peso político, mas não vai diminuir muito e pode até aumentar a emissão de gases estufa. Custo: estratosférico, mesmo assumindo que funcione. Até a França e os EUA reclamam das condições das próprias ferrovias. Por baixo, recuperando e melhorando a malha ferroviária existente, reorganizando o acesso ferroviário a Santos, e construindo as duas ferrovias já planejadas, 25 bilhões de dólares, que só parcialmente poderiam ser bancados pelo BNDES.
2.a)Como mencionou o Guilherme num comentário ao primeiro post, parte disso pode também ser contrabalançado pela produção de biodiesel, a partir de oleaginosas ou de aproveitamento do lixo. O problema do biodiesel é que, se ele não representa a desgraceira social e ambiental do proálcool, é inclusive porque a densidade de produção das oleaginosas não é a mesma da cana de açúcar. O óleo de lixo ainda está em fase experimental, e alguns dos óleos cogitados para biodiesel, como o de mamona, custam muito mais do que o óleo diesel, tornando dúbia a vantagem para os produtores de usá-lo para fazer o mesmo. Um investimento em biotecnologia poderia render bastante aí, tanto em culturas perenes (palmeiras) quanto em algas (que poderiam render até cinco vezes mais óleo que qualquer cultura terrestre). Custo : impossível de prever sem estudo detalhado, e olhe lá. Digamos, 500 milhões por ano em tecnologia. Para a implantação, 100 milhões pagam cultivo e fábrica para 25 milhões de litros; o Brasil consome 36bn de litros por ano. R$144bn, e uma área só um pouco maior do que a do Pará cultivada com mamona ou soja, um pouco maior do que o Maranhão com dendê ou babaçu. Ah é - o biodiesel é menos poluente localmente do que o diesel fóssil, por não estar misturado aos poluentes como enxofre, e isso tem efeito multiplicador com o uso de ônibus diesel-elétricos.
3) A implantação de "energias alternativas," no Brasil, inclui algo nem um pouco alternativo, que é a hidrelétrica de pequeno porte, ainda por cima definida em MW, que eu acho que é a forma mais antiga de geração de energia elétrica. Independente disso, uma usina hidrelétrica grande só é ruim em si quando detona alguma área importante histórica ou natural inteira, como a represa de Assuã, no Egito, Três Gargantas na China ou Yaciretá na Argentina. Deixando isso de lado, o que conta é a área inundada agregada contra a geração total de energia elétrica. Como eu já mencionei ao defender as usinas "hidrocinéticas," a poluição londrina diminuiu, acabando com os famosos pea-soup fogs, justamente quando os milhões de braseiros e lareiras foram substituídos por três centrais de grande porte. As PCHs, portanto, não são uma boa idéia "ambiental," apesar de o serem em termos de efeito estufa, principalmente porque, sendo sua implantação ainda praticável no Sul-Maravilha, são mais baratas por Kwh chegando ao consumidor do que uma usina na Amazônia, ou mesmo no Rio Grande do Sul. Não servem para o nordeste, porque quase toda a energia hidrelétrica aproveitável, de qualquer tamanho, já foi aproveitada. Custo: apagar áreas remanescentes de mata atlântica, fora isso praticamente zero, já que há interesse privado. Meia dúzia de garantias de compra. O custo por MWh ficaria em, a princípio, 50US$, bem mais do que o custo médio das usinas hidrelétricas existentes, que usaram excelentes lugares (fora aberrações como Balbina e Sobradinho, os maiores lagos do país para a 25ª e a 11ª maiores usinas em geração de energia), mas ainda razoável, no limite mínimo do custo de usinas a gás.
As outras energias alternativas têm mais potencial. A política de hidrelétricas da fase industrializante brasileira fez da filial brasileira da Voith-Siemens a instalação de produção de turbinas hidrelétricas mais importante do mundo; se o Brasil não tem tanto vento quanto água (e isso muda se a política for do Mercosul inteiro), ainda assim dá pra gerar bastante energia elétrica, se isso for uma prioridade, no Vale do São Francisco e no litoral nordeste, mais alguns pontos espalhados menores, mas próximos de grandes consumidores. E, com a mudança mundial no sentido do vento, virar central de referência nesse campo não é pouca coisa. O custo em linhas de transmissão, pela localização, seria negativo, já que as centrais eólicas ficam no caminho onde já estão previstas linhas de transmissão para ligar NE e SE e NE e N, e uma produção no meio do caminho baratearia a coisa. Custo: 60US$ por MWh, o que se justifica em termos puramente econômicos, com o preço atual dos hidrocarbonetos. Se preferir, pra acrescentar o equivalente de uma usina térmica como a que está sendo implantada no Rio, de 800MW, seriam 2bn de dólares. Para a geração a partir de resíduos de biomassa, ou de gases do lixo, o custo é mais ou menos equivalente, mas tem que subtrair o custo atual de se livrar desses resíduos. Em todos os casos, as geradoras de energia vêem a coisa com uma certa desconfiança, inclusive porque os maiores clientes, no Brasil, são as indústrias, principalmente as grandes indústrias, e não, como em outros países, o consumo pulverizado, residencial. É isso, por exemplo, que torna atraente a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia, pra alimentar fundições de alumínio e papeleiras.
Geração solar é bem mais cara, mas vem avançando significativamente nos últimos anos. Uma política de incentivo seria melhor do que qualquer investimento direto (fora pesquisa), inclusive porque a geração distribuída , em que cada consumidor é até certo ponto gerador, alivia a rede como um todo. As distribuidoras de energia, que não chegam a ser uma Febraban mas têm uma certa capacidade de, ahem, fazer amigos e influenciar pessoas, têm uma relação ambivalente para com a geração distribuída, já que por um lado é menos gente comprando o que eles têm pra vender, por outro lado aliviam a rede por cuja manutenção eles são responsáveis. Dentro das cidades, existe áreas imensas que poderiam ser aproveitadas para a geração de energia solar: "chapéus" em postes públicos, tetos de supermercados e shoppings, até a faixa de domínio de vias expressas (imagine a avenida Brasil ou a Linha Vermelha com telhado).
3.a) Usinas nucleares vão pra outro post (que este já tá chato o bastante sem entrar em "reatores de seixos"), mas o custo é mais ou menos equivalente ao das eólicas, se você esquecer de um detalhe chato: o que fazer com o lixo radioativo. Tem a vantagem de se concentrar em grandes usinas, e de ter muita gente pressionando a favor por conta da "estratégia" - leia-se inveja do pênis, e da possibilidade de utilizar a tecnologia e infraestrutura em aplicações militares. Não necessariamente uma bomba - a marinha brasileira ainda sonha em fazer um submarino nuclear.
4) Tecnologias de controle da emissão de poluentes na agroindústria. A pesquisa ainda é bastante básica - pra chegar a resultados concretos e implementar vai uma bela grana. Digamos, dobrar o orçamento da Embrapa.
A conclusão de todo esse lero-lero? As medidas de que eu falei são, com exceção dos ônibus diesel-elétricos e moinhos de vento, pouco divisíveis para qualquer efeito concreto, e todas caras. E afetariam uma fração de 25% da emissão de gases do efeito estufa no Brasil de 2003, ao passo que os 75% (mudanças no uso da terra e queimadas) têm um custo político que ninguém tem o direito de subestimar, num país em que até o Partido Verde é presidido por um latifundiário. O copo tá meio vazio.
*"Belo" se refere à facilidade de opinar de cadeira, ser "armchair quarterback," técnico de sofá, como dizem os gringos, não à qualidade.
A internet tá lenta aqui, e eu não lembro dos links de cabeça. Ponho hoje mais tarde.
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4 comentários:
O que eu queria saber, Tiago, é se tem gente no governo fazendo planos a esse respeito. Não diziam que a Dilma estava reorganizando todo o setor elétrico? O atual ministro é cria dela.
O atual ministro, infelizmente, é cria do Sarney, e foi escolhido (acho) por conta da crise, como o Hélio Costa das comunicações é da Globo. E, ideologicamente, cria dos planejadores da época da ditadura, a menina dos olhos dele é a hidrelétrica de Belo Monte. (Na verdade, todo o plano hidrelétrico do Xingu, que faria do rio uma escadinha e geraria 35GW, três Itaipús, mas eles fingem que o plano não existe mais.)
Existe, parece, algum tipo de preocupação nesse sentido, senão não tinham soltado verba pro MCT fazer o balanço de emissões. Mas quanto, e quanto isso tava ligado especificamente ao Dirceu, não tenho idéia.
Acho mais fácil substituir os ônibus das grandes cidades por VLTs e os das rotas menores por ônibus à gás.
Bondes saem mais caro - o custo estimado pelo BNDES para 5 linhas de bonde curtas no centro do Rio é de 3.4bn. É uma solução ideal, é verdade, mas 1.7bn por bairro é muita grana. Bem, ideal mesmo seria uma rede de metrô densa, como a de Paris, mas poucas cidades até do primeiro mundo têm essa densidade fora do centro.
Ônibus a gás teriam menor redução na emissão de poluentes (fora particulados, que não são um problema tão grande em cidades pequenas), e não seriam menos barulhentos, nem durariam mais.
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