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8.9.04

Tio Patinhas

Há quem pense que ter muito dinheiro faz as pessoas pirarem. O exemplo clássico é o Tio Patinhas, nadando na caixa forte. Pois bem, essa é a única explicação possível para os projetos mirabolantes do Lessa como presidente do BNDES. De reitor da falida UFRJ a presidente dum orçamento de quatorze dígitos, pirou.

Bom, quem dera que fosse essa a explicação. Porque o tipo de merda que o Lessa faz é velho no BNDES. O caso extremo - do qual eles não aprenderam porra nenhuma - é a AmBev. Pegaram uma grana do BNDES pra fazer uma empresa quase-monopólio. A justificativa, tanto para receber a grana quanto pro CADE permitir a fusão, a despeito de todas as leis antitruste possíveis e imagináveis, foi a de fazer uma "multinacional brasileira." E la foram os saudosistas do Brasil Grande investir dinheiro alheio e jogar fora a proteção da concorrência, em nome de poder encher a boca pra dizer que o Brasil "tem a cervejaria número não sei quantos do mundo!" Bem feito, agora os empresários, que tão se lixando pro ufanismo e querem é fazer dinheiro, venderam a casa pros belgas da Interbrew. E o BNDES reclama, mas continua com a idéia idiota de estimular trustes, à maneira dos kereitsus e zaibatsus japoneses, ou dos ainda mais inchados chaebols coreanos.

Noves fora que nem o Japão nem a Coréia, à época em que os ditos cujos foram estabelecidos, eram democracias, e vamos esquecer que receberam uma boa grana de "reconstrução." Ah é, e vamos também esquecer toda a corrupção gerada pela mistureba de Estado e Empresa. Então vai lá, dá o meu dinheiro pra bilionário, de graça. Aproveitando, faz uma reforma agrária geral, que nem na Coréia e no Japão, em que a concentração da grande indústria se deu ao mesmo tempo que uma redistribuição de capital em escala épica.

Hoje o Lessa proclamou, num seminário sobre desenvolvimento econômico no Estado do Rio de Janeiro, alguns factóides de fazer inveja ao César Maia. O mais pitoresco :

- Não se explora a contra-violência do Rio. Os empresários deveriam adotar uma praça e promover atividades culturais, especialmente de dança
Cuma?

Pelo menos esse não prejudica ninguém. Já os megaprojetos que envolvem o porto de Sepetiba, entre os quais o Lessa anunciou "duas siderúrgicas" e a Petrobras um parque petroquímico...ainda vamos estar falando de limpar a Baía de Guanabara, e a de Sepetiba vai estar pior, em nome de uma falácia pra dar dinheiro a empreiteiros. Fora que, com mais duas siderúrgicas, o Paraíba do Sul vai morrer de vez. O Rio vai virar potentado do Golfo Pérsico de vez - cheio de petróleo, governado por fundamentalistas religiosos, e tendo que dessalinizar água do mar pra beber.

A falácia em questão na verdade é dupla. Uma é que o porto de Sepetiba apresenta "maravilhosas condições naturais etc etc" para se tornar um superporto. Besteira, primeiro porque não apresenta - o custo da dragagem é mais ou menos o mesmo do porto do Rio, a não ser que você taque o lodo na praia ali do lado, e as condições de acesso terrestre estão por construir (olha aí as empreiteiras ficando ricas). Segundo porque superporto se faz a partir da demanda, mesmo que as "condições naturais" sejam uma porcaria. Osaka-Kobe não é o melhor porto do mundo, e dois terços do porto de Cingapura têm calado "natural" de 3 metros*, enquanto o de Roterdã é assoreado o tempo todo, gasta uma fábula de dragagem. E a localização do Rio não é essas maioneses todas, a costa a norte só vai ter alguma atividade econômica muito depois. Superporto da América Latina, era melhor o Rio Grande, ou só pro Brasil Santos mesmo. Santos é uma porcaria de porto pra navio grande, mas o custo da dragagem (ou da construção de um porto oceânico em Santos) tem que ser comparado com o de construir a estrutura de terra até São Sebastião ou Sepetiba.

A outra falácia é que você faz o porto e aí acontece a demanda. Por enquanto, o Rio não tem demanda nem pra encher os portos existentes. Os navios de contêiners que passam aqui são duas categorias abaixo dos que passam pelos "superportos" - cuja demanda, aliás, é, pra cada um, muito, mas muito maior que a de todo o Brasil junto. Cingapura dá umas dez vezes Santos. Se é pra jogar o meu dinheiro fora em barquinho (e eu, pessoalmente, acho barquinho uma coisa maneiríssima), faz uns estaleiros. Ou compra uma rede de barcas cruzando a baía de Guanabara. (além dos que já existem, terminais na Praça Mauá, no Fundão, no Galeão e no Cocotá, em Caxias, e em São Gonçalo. Quicá um roll-on-roll-off até Caxias, pra ônibus subindo a serra.)

E a última falácia de Sepetiba é que o porto seria em Sepetiba. Um livro de projetos do Brasil Grande fala do excelente porto de ANGRA DOS REIS. E tem a batimetria do lado; 2/3 da baía de Sepetiba são rasos. O porto de Sepetiba é uma laranja; não ficaria na baía de Sepetiba, mas começaria no atual porto pra se extender até Angra. Que nem a usina de Belo Monte, da Eletronorte - a usina nem é tão problemática assim, e é eficiente - mas, de verdade mesmo, carece de fazer outras 5, todas piores, Xingu acima, senão só gera energia metade do ano...

Outro projeto Cesarmaiesco do Lessa é "o eucalipto e o etanol pro norte fluminense." Sob a égide de grandes empresas, CLARO. Caramba, foi a porcaria do Proálcool que prejudicou tanto os agricultores de SP que deu origem ao movimento dos Sem Terra, e agora querem fazer tudo de novo? Que estória é essa? Vou ter que assistir exposição do Sebastião Salgado sobre os sem-terra criados pelo Proeucalipto?

E todos eles reclamando dos "entraves ambientais." Porra, "entraves"? O Globo reclamava outro dia, junto com a DIlma Roussef, que uma hidrelétrica, "já pronta," não conseguia a licença pra subir a água "só" porque ia afundar 3000 hectares de mata de araucária. Coitadinhos. Parece o argumento dos bingos.

Ah, uma das siderúrgicas propostas é da Vale. Cuja privatização é outra "maravilha" do BNDES. No caso, com a desculpa de que o Antonio Ermírio não podia ganhar porque senão ia ser muita concentração de mercado. Menos do que fatia da AmBev, mas deixa pra lá, eles deram todas as oportunidades para que, depois da privatização, a Vale se tornasse monopolista, e venderam a porcaria num bloco só, pro monopólio ser multidimensional.


*calado - profundidade do casco do navio embaixo d'água, no caso de um porto, o maior navio que cabe lá.

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