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2.12.11

La Fontaine vs. Esopo

Anda causando alvoroço um relatório do UBS, o maior banco suíço, sobre as possíveis consequências do fim do Euro. Uma parte, em especial, chama a atenção:

Se um país forte, como a Alemanha, saísse do Euro, as consequências incluiriam bancarrota corporativa, recapitalização do sistema bancário, e colapso do comércio internacional. Se a Alemanha saísse, acreditamos que o custo seria da ordem de 6 a 8 mil euros para cada alemão, adulto ou criança, durante o primeiro ano, e entre 3500 e 4500 para cada pessoa, anualmente, na sequência; o equivalente a 20 a 25% do PIB no primeiro ano. Comparando, o custo de resgatar as dívidas da Grécia, da Irlanda e de Portugal em sua totalidade, em caso de moratória desses países, seria de pouco mais de mil euros, de uma vez só.

O relatório segue adiante com alguns outros alertas bem mais horríveis, como o de que a Iugoslávia precisou de umas guerrinhas genocidas para resolver o fim da união monetária, mas vamos nos concentrar nesse trecho, em que o banco fala do que entende: não é que os alemães estejam sendo chamados a fazer um sacrifício para salvar os países menores da Europa. É que o próprio interesse racional deles, se fosse aplicado, os faria gastar esse dinheiro. As pessoas não lidam muito bem com números abstratos, ainda mais negativos, então os alemães (logo eles, que desenvolveram o moderno sistema de resseguros) não se dão conta de que isso é um investimento com retorno de 6 a 8 vezes no primeiro ano, e 3 a 4 vezes todo ano na seguida. Qualquer um que se desse conta disso não apenas não protestaria contra um tal investimento, mas iria bater no Bundestag exigindo que ele fosse feito.

Mas não é apenas a falta de traquejo com números que faz os alemães preferirem o caminho que leva a mais problemas para eles mesmos: é que eles não estão vendo a coisa como uma questão de finanças, mas como se fosse uma moralidade medieval. Não importa que o mundo caia, esses perdulários* têm que ser punidos pela sua pusilanimidade. A cigarra tem que morrer de frio. É uma variantee do sentido de justiça que o ser humano compartilha com seus primos macacos (no caso dos chimpanzés, isso pode levar a coisas meigas como, por exemplo, um macaco arrancar a cara do outro com as mãos, a natureza é linda); não sei nem se pode ser, com justiça (heh) chamada de uma perversão. O único probleminha aí (além do sofrimento que esse senso de justiça causaria) é que a narrativa na qual ele se baseia é falsa. Os países periféricos não se endividaram porque são gastadores, e os alemães não acumularam dinheiro porque são formigas previdentes, muito antes pelo contrário. Fora a Grécia, todos os países periféricos violaram menos as normas fiscais de Maastricht do que a Alemanha.

O que acontece é que o Euro, apresentado como uma dádiva da Alemanha à Europa ("metade do Deutsche Mark para Miterrand, toda a Alemanha para Kohl"), na verdade embutia algums probleminhas para todo mundo que não fosse alemão. O Deutsche Mark entrou no euro subvalorizado, o que gerou (além da inflação nos países que receberam sua nova moeda forte) um incentivo estrutural para a Alemanha exportar. Ora, quando um país exporta muito, em condições normais, há um feedback negativo, um movimento que faz com que sua moeda se fortaleça, ele se torna menos competitivo, com isso exporta menos. O Brasil está sentindo isso na pele no momento. E a Alemanha, exportando para países que tinham a mesma moeda que ela, não teve esse problema, e não por acaso virou a maior exportadora do mundo antes de ser passada pela China. Isso sem nem entrar no mérito de que a política do banco central europeu foi sempre conduzida de acordo com os interesses das economias alemã e francesa (e benelúxica, por coincidência mais que qualquer outra coisa), e não dos outros.

O Euro não é uma benesse alemã aos europeus. É um esquema que beneficia os alemães frente aos outros, e que para funcionar precisaria de um governo central e planejamento econômico únicos. Mas os alemães parecem decididos a matar a galinha dos ovos de ouro.


*Seria muita maldade falar "Untermenschen."

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