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11.5.10

De terras, think tanks, e toupeiras.

A matéria paga da CNA na Veja despertou muita controvérsia, em especial pela cara de pau com que a revista inventou declarações que foram atribuídas a antropólogos de destaque. A matéria em si, além de mentirosa, é muito ruim. As noções casadas da Veja de cultura como algo essencial e estanque, e de que há uma diferença qualitativa entre a cultura "primitiva" e a moderna, por exemplo, atribuída por eles ao Eduardo Viveiros de Castro, são coisas que qualquer estudante de primeiro semestre de antropologia vai te dizer que são burrices. Marcel Mauss já denuncia a segunda em 1921, e as duas tiveram as pás de cal no começo dos anos setenta, com o trabalho de Pierre Clastres e da escola de Oslo.

Para além da matéria em si, cabe observar duas coisas interessantes. Uma é que a CNA fala que sobraria para a expansão agropecuária brasileira "apenas" 270.000km2, ou 50% a mais do que a área hoje plantada, ou o território inteirinho de países insignificantes como o Reino Unido ou a Itália. A outra é que a matéria se insere num contexto em que a CNA está, através da FGV-SP, contestando o Censo Agrícola do IBGE. O que é contestado, não apenas pelo IBGE, mas por todos os outros pesquisadores não pagos pela CNA. De certa forma, é a quase-vice do Serra mostrando que a Bancada Ruralista, mais que qualquer dos partidos oficiais do Congresso (mais até do que o largamente coextensivo a ela Democratas), tem se inspirado na política americana, dessa vez na produção de estudos pagos. Será a thinktankização do Brasil?

Agora, o mais interessante de tudo: a CNA, em outro estudo menos badalado do que esse (talvez por não mentir diretamente sobre declarações de pessoas alegadamente entrevistadas), questiona o peso da produção familiar na agricultura. Isso é interessante porque as "primas" da CNA mundo afora, apesar de também dominadas pelos grandes proprietários, sempre basearam sua legitimidade política na representação dos pequenos proprietários. Isso desde a época em que Junkers dominavam o parlamento do Kaiserreich até hoje, de tal modo que nos EUA, onde a concentração fundiária é pior até do que aqui, quando se fala em fazendeiro não se pensa na Archer Daniels Midland ou na Bunge (esta não tem acionista majoritário e está sediada legalmente nas ilhas Bermudas), mas nos pais do Superhomem, e na França "camponês" e "fazendeiro" são hoje quase sinônimos. A CNA sempre foi exceção a essa regra, tanto que tem requerimento de tamanho mínimo da propriedade rural para alguém se juntar a ela, mas agora extrapolou isso para atacar diretamente o pequeno proprietário (e não apenas o vilão de sempre da direita brasileira, o sem-terra). Como isso não é usado por ninguém para atacar a bancada ruralista, sua expressão política, é algo que me escapa.

2 comentários:

Mosca disse...

A Veja morreu. Viva a Veja!

Anônimo disse...

Quando li a reportagem, realmente pensei que parecia escrita por um acessor da Kátia Abreu e publicada sem revisão, mas não vi nada falando que a CNA encomendou o artigo. Você tem uma evidência mais concreta de que o artigo foi encomendado? Algo como um disclaimer?

Até!