A reforma agrária, no Brasil, tem desde sempre se calcado em três pontos:
*as terras divididas são consideradas "improdutivas." Nunca se aventou por cá (como por exemplo no Japão do pós-guerra, comandado por aquele comunista do McArthur) em dividir todas as grandes propriedades.
*as terras são divididas por uma agência do governo federal. No período recente, essa agência é o INCRA, subordinado a um ministério específico para o tema desde 2003. O Ministério tem uma função ancilar de prover infraestrutura aos assentamentos e incentivar a agricultura familiar.
*as terras são divididas no sentido estrito; isto é, a terra que costumava ser uma grande propriedade individual se torna um número de pequenas ou médias propriedades individuais. Para prevenir a negociação, existe um prazo, entre oito e doze anos, antes do qual não é legalmente permitida a transferência da terra.
E, bem, cada vez mais está claro que esse modelo não dá certo. Pesquisas recentes indicam que até o resultado mais antiintuitivo de todos ele alcança, o de aumentar a concentração fundiária. As críticas feitas à atuação de diversos governos no campo geralmente não falam em rever todo o modelo (ou, em alguns casos, falam de revê-lo a partir de palavras de ordem nebulosas pseudoesquerdistas), e os próprios governos dedicam-se a melhorias, ou a anexos, que não questionam aquelas bases ali em cima. Assim é que, por mais louvável que seja (e mais capital político que custe), a discussão sobre o índice de produtividade rural não questiona o caráter sacrosanto da terra "produtiva." O MST questiona mas, apesar de suas influências maoístas, não questiona a idéia da reforma através da transferência a famílias.
O MST, no link ali, fala em proibir a venda. A questão é que os ex-sem terra não vendem seus lotes porque traíram o movimento véi,, mas porque não têm outra alternativa razoável, mesmo. E a idéia do apoio do INCRA ou MDA como solução é uma admissão de fracasso, sinceramente. OK, o governo financia fartamente, e desde sempre, os grandes fazendeiros, e deveria deslocar esse apoio para os pequenos (menos do que deveria, isso já tem acontecido no governo Lula). Mas existe uma diferença entre "estímulo" e "condição de sobrevivência." Se a reforma agrária em si não causa uma desconcentração fundiária nem melhoria da vida dos assentados, ela é inútil; mais valeria investir essa grana e esse capital político em alguma outra coisa. A não ser que você seja dos que acreditam em algum valor sagrado e essencial da matysyrazemlya - não é o meu caso.
O interessante é que, na esteira do prêmio Nobel de economia deste ano, uma das soluções possíveis para isso é justamente aquela que seria defendida pelos Dostoiévskis da vida. Afinal, já se sabe há algum tempo que a Tragédia dos Comuns não é nem um pouco inevitável - antes do artigo que deu nome à situação, aliás, já que Polanyi já descrevia o processo nem um pouco "econômico," no sentido de desprovido de coerção armada e estatal, da privatização da terra na Inglaterra protocapitalista.
Não estou dizendo que transferir a terra para comunidades, indivisivelmente, seja a melhor idéia. Mas é uma idéia. E idéias são urgentemente necessárias, se quisermos sonhar que seja com uma reforma agrária neste país tão desigual, no qual, não custa lembrar, ao contrário do que diz a classificação oficial do IBGE (pela qual quem mora em distritos-sede de municípios é urbano, não importa a orientação econômica do município), entre 31 e 43% (segundo o próprio IBGE, quando fala em ocupações) da população ainda está diretamente ligado ao campo. Só, por baixo, uns 58 milhões de pessoas.
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