Contramão

O Brasil tem, atualmente, uma geração de carbono, em particular, e de gases de efeito estufa, em geral, bastante menor que a média mundial quando comparadas com a população ou o PIB. Se nos atermos só ao carbono oriundo da queima de combustíveis fósseis mais ainda, já que três quartos da nossa assinatura de carbono é resultado do desmatamento, e outro décimo dos arrotos de vacas. Se nos restringirmos à geração de energia elétrica, mais ainda ainda, já que a maior parte do combustível fóssil brasileiro é queimado nos motores de caminhões e carros. (Em parte graças ao baixo uso de alternativas de transporte mais eficientes.)

É claro que uma introdução dessas serve pra anunciar uma notícia horrível, né? Pois a notícia é que isso caminha pra deixar de ser verdade. O que era uma suposição quando escrevi esse outro artigo de blógue virou caçapa cantada, confirmada e contratada: as termelétricas previstas no plano decenal de energia vão aumentar de 14,4 pra 39,3 milhões de toneladas de CO2 por ano as emissões brasileiras.


O plano aponta a necessidade de expandir a capacidade instalada dos atuais 99,7 mil para 154,7 mil megawatts (MW) e garante que isso é suficiente para afastar o risco de déficit no abastecimento. Mas deixa claro que o país continuará dependendo de mais energia cara e poluente se quiser livrar-se dos fantasmas de apagões. Para atender ao crescimento da demanda, será necessário acrescentar 81 termelétricas ao sistema interligado - 41 movidas a óleo combustível, 20 a diesel, 8 a gás natural, 7 a biocombustíveis e 4 a carvão. Elas deverão gerar 13.685 MW, excluindo a usina nuclear de Angra 3, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal do Ministério de Minas e Energia encarregada de planejar o setor.

...


O plano prevê mais 71 usinas hidrelétricas até 2017, mas a própria EPE indica que 26 delas têm "potencial identificado de atraso superior a seis meses" na execução do projeto. Esses empreendimentos "deverão ser objeto de maiores esforços e ações mais intensas para a sua viabilização, sem que essa classificação signifique impossibilidade de atendimento das datas do plano". As hidrelétricas vão expandir em 28.938 MW - o equivalente a duas Itaipus - a potência instalada do parque gerador.

Para a ex-ministra, a área ambiental não pode servir de "bode expiatório" para o aumento das térmicas. Marina atribui o crescimento da produção de energia por fontes mais poluentes a falhas no planejamento do setor elétrico. Segundo ela, metade dos projetos de hidrelétricas listados no plano decenal não tem estudos de viabilidade técnica e econômica (EVTE) e "alguns sequer estão inventariados". "Desses projetos, apenas cinco estão em processo de análise pelos órgãos ambientais: Ipueiras (no Rio Tocantins) já foi rejeitada pelo Ibama e outras quatro usinas que somam 313 MW aguardam a licença prévia. Precisamos acabar com a lenda de que é do setor ambiental a culpa pelo aumento das térmicas", protesta Marina.

O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman, lamenta a perda de qualidade da matriz brasileira. Sem atribuições de planejamento, ele elaborou uma estimativa a partir do resultado dos últimos leilões de energia. O número de térmicas com contrato de fornecimento saltará de 14 em janeiro de 2008 para 63 em janeiro de 2013. Para fazê-las funcionar por um mês inteiro, o que é comum nos períodos de estiagem para preservar o nível dos reservatórios, as emissões de gases do efeito estufa vão subir de 186 mil toneladas para 4 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

...



Marina sugere a maior aposta na energia eólica para manter a qualidade da matriz. Hoje os ventos são responsáveis por somente 0,3% da geração total de energia no país, ou 219 MW, e vão chegar a 0,9% em 2017. Marina sublinha, porém, que o aproveitamento ainda é muito baixo diante do potencial brasileiro.

Kelman diz que a energia eólica é cara e inconstante, pois não pode ser armazenada sequer por algumas horas, e não permite ao operador do sistema trabalhar com previsibilidade. Também acha "irrisório" o efeito de uma estratégia insistentemente defendida por ONGs ambientalistas: a repotenciação das hidrelétricas existentes.



Detalhe - a energia eólica "cara e inconstante" já responde por mais de 20% da energia elétrica gerada por alguns países. Tudo indica que não pode, realmente, ser a base do sistema - mas para responder por até um terço da geração não tem problema nenhum.