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8.4.08

Dark angelic mills

Desde o final dos anos 70, é comum a noção de que o mundo, e especialmente suas regiões mais ricas, estaria entrando em uma era "pós-industrial." A noção não é de modo algum incontroversa, mas reflete uma realidade: os processos produtivos atualmente se caracterizam por uma produtividade extrema que faz com que menos de 20% da população de um país, trabalhando na indústria, possa suprir todas as suas necessidades materiais. Assim, o trabalhador na indústria começa a trilhar o mesmo caminho que seu avô camponês um dia trilhou, e junto com ele o "capitão da indústria," que ruma ao baú onde o senhor feudal está guardado.
Disse "reflete uma realidade," mas a realidade em questão é uma realidade nocional; pertence ao campo das percepções e imaginários mais do que ao campo da atividade física. Afinal de contas, ainda há gente - e muita - trabalhando no agronegócio, mesmo em países desenvolvidos. A questão é que essa gente passa a trabalhar de acordo com uma concepção e estrutura de produção industriais, ao invés da estrutura camponesa ou feitorial de antes; e com a especialização, muitas tarefas que eram dos próprios produtores de alimentos passaram a se tornar tarefas industriais. Numa sociedade camponesa, apesar de haver artesãos especializados, boa parte da produção eg de pano, ou panelas e potes ou o que seja é feita pelos próprios agricultores. Do mesmo modo, com a "economia do conhecimento," continuam havendo indústrias, mas o proletário passa a se tornar um prestador de serviço em firmas fragmentárias.
Isso não é uma "necessidade" infraestrutural ou tecnológica, mas um resultado em parte de teorias, em parte sim de uma evolução tecnológica, em parte de estratégias deliberadas contra regulamentação governamental e associação dos empregados. Mas por não ser "necessário," não deixa de moldar o mundo em que vivemos. Nesse mundo, muita gente que é filha de proletários ou industrialistas não conhece aquele ambiente no qual os pais viveram; a cultura urbana que surge se percebe como desconectada de uma "realidade" que é o ambiente de produção antigo, do mesmo modo como a formação de uma vida inteiramente urbana isolava os citadinos do século XVIII do contato com a natureza. Ou pelo menos essa é a minha explicação provisória.
Ops. Esqueci de apresentar o que deveria ser explicado.
Se virmos os abundantes projetos de "requalificação urbana" existentes mundo afora, a linguagem e as intenções deles são extremamente parecidos com os dos construtores de parques durante o período 1740-1860. Fala-se de preservar uma herança que faz parte da nossa própria identidade - como seres humanos e como membros de comunidades específicas. São feitos comentários sobre a rápida erosão das oportunidades de conviver de modo adequado, em espaços públicos e comunitários. Até a o contraste com as atitudes passadas (e presentes ainda em círculos menos "avançados") que viam na natureza ou no parque industrial uma selva horrenda é similar.
Então, a preservação do passado industrial faz parte de uma iteração moderna do parque. Jardins e parques, desde que a noção começou, representam uma tentativa de recriação de um ambiente ideal, de certa forma edênico. No limite, como o chahr-bagh persa, representam uma tentativa literal de recriação do paraíso, com as árvores, rios e alinhamento que se acreditava serem característicos deste. Outros, como os jardins italianos da renascença tardia, representavam uma "lição" espiritual e intelectual, um processo de internalização da iluminação; é o caso, também, do tipo de jardim chinês que ficou conhecido no Ocidente pós-nova era como jardim zen.
O que separa o parque moderno de outros jardins, e que ele tem em comum com a tentativa de preservar o ambiente industrial, é que A) o paraíso perdido em questão não faz parte de uma realidade remota e de outra qualidade, inumana, B) o parque não está associado a uma construção ou uso específico (se houver museus, instalações esportivas, ou outras construções dentro do parque, elas que fazem parte do parque, e não o contrário, e C) faz parte da ideologia por trás de sua construção a apresentação deles como essenciais para a preservação/recriação de uma vida comunitária perdida/em degeneração.
Imagino o que não diria um Ruskin (no auge da primeira era dos parques) ao ver os urbanistas de hoje clamarem pela preservação dos dark satanic mills

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