O código penal brasileiro conserva uma excrescência chamada "apologia ao crime ou criminoso." O "crime" em questão, que acarreta prisão de 3 a 6 meses ou multa, é um absurdo, indigno de qualquer país que se considere civilizado. Faz com que o Brasil esteja muito pior do que os EUA de Bush no quesito liberdade de expressão, mesmo descontados os assassinatos políticos de repórteres. Recentemente, esse infame artigo 287 foi utilizado inclusive pra prender quem protestava contra a violência policial usando imagens do Cauã, símbolo dos Jogos Panamericanos, portando um fuzil de assalto.
Ora, o mesmo código penal tipifica, em seu artigo 243, a tortura como crime. Ou seja, a apologia da tortura é crime. Não seria de se perguntar, então, se toda a "bancada da bala" do congresso nacional, mais os produtores do "filme mais quente do ano," e o pessoal da série 24H se visitar de novo o Brasil, não precisariam passar de três a seis meses na cadeia? Aliás, tortura é crime, só pra avisar, com punição mais pesada do que a do consumo (porte) de drogas, ou seja, pela lógica a sua apologia também deveria ser considerada mais grave.
A propósito: os governos nacional e estadual prevêem a "pacificação" do Morro da Providência. PQP, "pacificação"? Não tinha palavra menos nazi pra usar não? Tipo, eu sei que é uma ação colonial, que vai morrer gente (desculpas, gente não, preto e pobre) a rodo, mas...precisava ser tão explícito?
Auferre, trucidare, rapere, falsis nominibus imperium; atque, ubi solitudinem faciunt, pacem appellant.
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25.9.07
18.9.07
Nottingham PD
Uma das coisas que sempre achei divertidas em relação à tal estabilidade jurídica, quando usada como eufemismo para o sacrossanto direito à propriedade privada, é que esse direito é, via de regra, considerado importante só quando se trata da defesa do caráter privado e não público da sociedade, ou da propriedade de quem tem muito. Os mesmos empresários e "formadores de opinião" que consideram a estatização de uma empresa um crime lá do lado do uxoricídio e da alta traição, acham que a desapropriação de moradias, especialmente a remoção de favelas, para melhor servir aos seus planos, é não apenas virtuosa, mas absolutamente essencial ao "progresso" do país.
Tá, o artigo do Benjamin Steinbruch (que ganhou de presente a CSN e a Vale) no Estadão de Hoje, reclamando das favelas que atrapalham as linhas férreas dele, não fala exatamente disso, já que as ditas favelas invadiram área que era do governo, antes de ser dada a ele Steinbruch. Mas em geral, nunca vi nenhum "liberal" falando contra grandes obras de infraestrutura, do tipo que fatalmente envolve grandes áreas desapropriadas, nem contra esquemas de "revitalização" que incluem a desapropriação de áreas para entregar a investidores privados.
Outro exemplo de novilíngua divertido é essa de plantações de eucalipto serem "reflorestamento." Arrã.
***************
Marco Aurélio de Mello afirmou que deixaria Cacciola fugir. De novo. Acho que ninguém mais tem uma visão tão clara, tão límpida sobre como a Justiça brasileira é só pra pobre quanto o ilustríssimo ministro.
Tá, o artigo do Benjamin Steinbruch (que ganhou de presente a CSN e a Vale) no Estadão de Hoje, reclamando das favelas que atrapalham as linhas férreas dele, não fala exatamente disso, já que as ditas favelas invadiram área que era do governo, antes de ser dada a ele Steinbruch. Mas em geral, nunca vi nenhum "liberal" falando contra grandes obras de infraestrutura, do tipo que fatalmente envolve grandes áreas desapropriadas, nem contra esquemas de "revitalização" que incluem a desapropriação de áreas para entregar a investidores privados.
Outro exemplo de novilíngua divertido é essa de plantações de eucalipto serem "reflorestamento." Arrã.
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Marco Aurélio de Mello afirmou que deixaria Cacciola fugir. De novo. Acho que ninguém mais tem uma visão tão clara, tão límpida sobre como a Justiça brasileira é só pra pobre quanto o ilustríssimo ministro.
13.9.07
Democracia de marfim
Na primeira edição brasileira do Le Monde Diplô, um texto do Chistopher Newfield explica como a direita americana deliberadamente atacou o sistema universitário que, naquele país, foi o principal ator da democratização e "esquerdização" do pós-guerra.
Impossível não lembrar do artigo em questão (e do livro ligado acima) ao ler esse outro artigo, sobre como o MIT está tentando (ainda que de maneira tímida) reverter a regra pela qual 90% da pesquisa beneficia 10% da humanidade.
***********
Shana tová de novo! E como também é o ano novo (aliás, o ano 2000) copta, um artigo sobre a inflação na Etiópia pra todas as (3?) pessoas que lêem este blógue.
Impossível não lembrar do artigo em questão (e do livro ligado acima) ao ler esse outro artigo, sobre como o MIT está tentando (ainda que de maneira tímida) reverter a regra pela qual 90% da pesquisa beneficia 10% da humanidade.
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Shana tová de novo! E como também é o ano novo (aliás, o ano 2000) copta, um artigo sobre a inflação na Etiópia pra todas as (3?) pessoas que lêem este blógue.
12.9.07
Regra 34 avant la lettre
Assusta até o Hitler!
A regra 34 da Internet reza que existe uma versão pornô disso na Internet, pra qualquer valor de "isso." Aliás, se você inventar alguma coisa agora mesmo, existe uma versão pornô dela, com pelo menos 3 sites. Digamos, hentai hermafrodita dos ursinhos carinhosos ciborgues.
Bem, pelosvisto a regra 34 é anterior à internet e mais radical ainda do que se pensava. Digamos, "pornô israelense dos anos 60 ambientado em campos de prisioneiros nazistas."
It was one of Israel 's dirty little secrets. In the early 1960s, as Israelis were being exposed for the first time to the shocking testimonies of Holocaust survivors at the trial of Adolf Eichmann, a series of pornographic pocket books called Stalags, based on Nazi themes, became best sellers throughout the land.
Read under the table by a generation of pubescent Israelis, often the children of survivors, the Stalags were named for the World War II prisoner-of-war camps in which they were set. The books told perverse tales of captured American or British pilots being abused by sadistic female SS officers outfitted with whips and boots. The plot usually ended with the male protagonists taking revenge, by raping and killing their tormentors.
After decades in dusty back rooms and closets, the Stalags, a peculiar Hebrew concoction of Nazism, sex and violence, are re-emerging in the public eye. And with them comes a rekindled debate on the cultural representation here of Nazism and the Holocaust, and whether they have been unduly mixed in with a kind of sexual perversion and voyeurism that has permeated even the school curriculum.
"I realized that the first Holocaust pictures I saw, as one who grew up here, were of naked women," said Ari Libsker, whose documentary film "Stalags: Holocaust and Pornography in Israel" had its premiere at the Jerusalem Film Festival in July and is to be broadcast in October and shown in movie theaters. "We were in elementary school," he noted. "I remember how embarrassed we were."
Hanna Yablonka, a professor of history at Ben-Gurion University of the Negev, says the film highlights what she calls the "yellow aspects of nurturing the memory of the Holocaust."
"Are we taking it into the realm of semipornography?" she asked. "The answer is, we are."
The Stalags were practically the only pornography available in the Israeli society of the early 1960s, which was almost puritanical. They faded out almost as suddenly as they had appeared. Two years after the first edition was snatched up from kiosks around the central bus station in Tel Aviv, an Israeli court found the publishers guilty of disseminating pornography. The most famous Stalag, "I Was Colonel Schultz's Private Bitch," was deemed to have crossed all the lines of acceptability, prompting the police to try to hunt every copy down.
The Stalags went out of print and underground, circulating in specialty secondhand bookstores and among furtive groups of collectors.
Mr. Libsker's 60-minute documentary puts the Stalags under a spotlight for the first time and exposes some uncomfortable truths. One is that the Stalags were a distinctly Israeli genre, created by Israeli publishers and penned by Israeli authors, although they had masqueraded as translations from English and were written in the first person as if they were genuine memoirs.
Until the Eichmann trial began in 1961, the voices of the Holocaust had hardly been heard in Israel. The survivors sensed the ambivalence of the old-timers who blamed them for not having emigrated in time, and questioned what immoral deeds they might have done in order to stay alive.
In the movie, the publisher of the first Stalag, Ezra Narkis, acknowledges that it was the trial, in all its sensational and often gory detail, that gave momentum to the genre.
More provocatively, the movie contends that Stalag pornography was but a popular extension of the writings of K. Tzetnik, the first author to tell the story of Auschwitz in Hebrew and a hero of the mainstream Holocaust literary canon. K. Tzetnik "opened the door," and "the Stalag writers learned a lot from him," Mr. Narkis said.
K. Tzetnik was a pseudonym for Yehiel Feiner De-Nur. The alias, short for the German for concentration camper, was meant to represent all survivors, a kind of Holocaust everyman. One of K. Tzetnik's biggest literary successes, "Doll's House," published in 1953, told the story of a character purporting to be the author's sister, serving the SS as a sex slave in Block 24, the notorious Pleasure Block in Auschwitz.
Though a Holocaust classic, many scholars now describe it as pornographic and likely made up.
"It was fiction," said Na'ama Shik, a researcher at Yad Vashem, The Holocaust Martyrs' and Heroes' Remembrance Authority. "There were no Jewish whores in Auschwitz."
Yet "Doll's House" and other writings of K. Tzetnik, who died in 2001, are treated as historical fact by many in Israel, and are included in the high school curriculum. Mr. Libsker's movie shows the vice principal of an Israeli school guiding a group of teenagers through Auschwitz, pointing out Block 24 and quoting from K. Tzetnik.
This approach to Holocaust education is being eschewed by an increasing number of Israeli academics. "The Holocaust was bad enough, without making things up," Dr. Yablonka said.
Sidra Ezrahi, a professor of comparative Jewish literature at the Hebrew University of Jerusalem, said, "His books were so graphic and so barbaric." Maybe at first they had an important impact, she said. "But over time," she added, "if this is what they have chosen to leave in the Israeli curriculum, it's a scandal."
For many Israelis, the most dramatic part of the Eichmann trial was the testimony of K. Tzetnik. His true identity was revealed for the first time on the witness stand, where he passed out. Simultaneously, the Stalags were reaching the peak of their commercial success.
Yechiel Szeintuch, a professor of Yiddish literature at the Hebrew University, rejects any link between the smutty Stalags and the writings of K. Tzetnik as "an original sin." He insists K. Tzetnik's work was based on reality.
But Mr. Libsker, 35, himself the grandson of Holocaust survivors, contends that it is the same mixture of "horror, sadism and pornography" that serves to perpetuate the memory of the Holocaust in the Israeli consciousness to this day.
Correction: September 7, 2007
The Jerusalem Journal article yesterday, about the pornographic pocket books with Nazi themes that were circulated in Israel in the 1960s, misquoted Na'ama Shik, a researcher at Yad Vashem, The Holocaust Martyrs' and Heroes' Remembrance Authority, regarding the pocket book "Doll's House," about a Jewish woman serving in a notorious brothel called Block 24 in Auschwitz. She said the book — not Block 24 — was fictional.
PS - Feliz ano novo!
4.9.07
Perfect storm
Quando os budas de Bamiã foram detonados pela Talibã, eu, e creio que muitos outros, tive uma ligeira crise de consciência. Não pela destruição das estátuas, ou por não ter feito nada para salvá-las (como se algo pudesse ser feito), mas porque, naquele momento, a Talibã já tinha provavelmente chegado nos cinco dígitos de gente morta, muitas vezes de maneiras horríveis. E eu lamentando por um monte de pedras.
Não conheço (vou até perguntar) o estado do debate ético sobre essa questão, de se bens culturais únicos (os budas, as bibliotecas de Alexandria, o grito do Munch, o palácio de verão) valem mais do que seres humanos. Se me perguntarem no abstrato, é claro que vou dizer que não; no concreto não sei. (Bem, vai depender do ser humano - é claro que "indivíduo # 3.567.925.008" não vale o mesmo que "pessoa que amo.")
Nem sei se estamos falando propriamente de bens culturais. O lamento pela extinção, digamos, do boto do Jangzi, não é uma manifestação da mesma atitude? Será que não é em última análise simplesmente o mesmo processo que faz diamantes valerem mais do que água? Afinal, tanta gente morre todo dia...
Por isso que a morte de Nova Orléans, a única cidade com um carnaval decente na América do Norte, que é única de tantos jeitos diferentes, é legal. Porque você pode sentir raiva, indignação ou tristeza ao mesmo tempo pelas pessoas e pela perda cultural.
Não conheço (vou até perguntar) o estado do debate ético sobre essa questão, de se bens culturais únicos (os budas, as bibliotecas de Alexandria, o grito do Munch, o palácio de verão) valem mais do que seres humanos. Se me perguntarem no abstrato, é claro que vou dizer que não; no concreto não sei. (Bem, vai depender do ser humano - é claro que "indivíduo # 3.567.925.008" não vale o mesmo que "pessoa que amo.")
Nem sei se estamos falando propriamente de bens culturais. O lamento pela extinção, digamos, do boto do Jangzi, não é uma manifestação da mesma atitude? Será que não é em última análise simplesmente o mesmo processo que faz diamantes valerem mais do que água? Afinal, tanta gente morre todo dia...
Por isso que a morte de Nova Orléans, a única cidade com um carnaval decente na América do Norte, que é única de tantos jeitos diferentes, é legal. Porque você pode sentir raiva, indignação ou tristeza ao mesmo tempo pelas pessoas e pela perda cultural.
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