Diálogo entre o atual presidente da câmara e um seu predecessor :
O Deputado Inocêncio Oliveira (PFL/PE) levou o plenário à loucura quando subitamente começou a esbravejar contra a aprovação do que chamava de “casamento gay”, declarando: “Este projeto é uma pouca-vergonha, um desrespeito à Casa, é uma aberração contra a natureza!” gritava, embalado pelos aplausos e urros dos deputados que ocupavam quase todo o plenário. Enquanto isto, o Deputado Severino Cavalcanti (PPB/PE), o mais ardoroso opositor à proposta, elogiava o Presidente do PFL: “Inocêncio, você é a glorificação do homem de bem e meu candidato ao Senado!”
O que não bate é a identificação das atitudes dos Severinos da vida com a religião. Ora, a religião cristã prega muita coisa anti-Severina. Exemplo :
Repercutiu em todo o Nordeste - e de certo em todo o país- as acusações de que um senador da República, um ex-deputado desta Casa, João Ribeiro (PFL-TO) - que vem se destacando com um trabalho sério em benefício do seu Estado e do povo de sua região - estaria mantendo “trabalhadores escravos” em uma fazenda no Norte do país. Quem lia ou ouvia os textos das reportagens veiculadas por toda a mídia, no entanto, se surpreendia com alguns detalhes dos chamados “escravos”: não havia banheiros, tomavam água de um rio da bacia amazônica, estavam há 15 dias em um serviço de roçagem de pasto de uma fazenda de 160 alqueires ( que em nosso país é considerada pequena), não contavam com carteira assinada e nem tinham cama para dormir.
Ora, Senhoras e Senhores Deputados, vamos parar de hipocrisia, de fingir que somos a França, os Estados Unidos ou a Alemanha e que podemos copiar as suas avançadas legislações trabalhistas.
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Não vamos resolver os problemas do campo e do desemprego ameaçando produtores e fazendeiros com o confisco de terras no caso das muitas e controversas versões de “trabalho escravo”.
(do - site da câmra)
E quando eu digo que isso vai contra o catolicismo que, alegadamente, seria a origem das atitudes ultraconservadoras, não estou me referindo a uma leitura específica da bíblia (que, como todo mundo brinca, é comunista). Estou me referindo à própria Igreja Católica - boa parte das pessoas ameaçadas de morte por esse pessoal no sertão, ou simplesmente xingada em lugares mais civilizados, pertencem à hierarquia católica, dentro da qual existe a mesma clivagem que na sociedade "de fora." Ou melhor, a mesma clivagem, só um tanto mais radical. Apesar da influência conservadora do João Paulo II.
E existe até o exemplo, relativamente frequente, dos ultra-conservadores que prezam a religião por seus "valores morais," mesmo sendo ateus. E passam incontinenti a defender os tais "valores morais" - geralmente ligados ao preconceito - com base na religião, sem se incomodar com o raciocínio circular. A religião não está na origem dos preconceitos deles, é apenas um instrumento retórico. Doidices mais ligadas, na aparência, à religião, como o criacionismo, parecem ter sua origem no literalismo bíblico dos fundamentalistas. Et pourtant, o criacionismo não se apresenta como anticiência, mas como pseudociência. A distinção é importante : o criacionismo tenta se legitimar com um discurso que imita o discurso científico. Geralmente, a opinião dos que reparam nisso é que o discurso serve apenas como uma maneira sorrateira de introduzir o criacionismo nas escolas. Ora, numa sociedade democrática, eles podem, se conseguirem votos o bastante, simplesmente impor o ensino religioso. Ou mesmo prover sozinhos este.
O discurso pseudocientífico serve, na verdade, para legitimar o criacionismo - e portanto sua própria compreensão do mundo - aos olhos de quem vê com desconfiança a elite acadêmica. É uma forma de anular as marcações de status cultural, por gente que se vê ameaçada pela diferença, que se percebe impotente e frustrada pela falta de certezas no mundo. Ele é para consumo interno, não externo. E sua falta de coerência serve para justificar qualquer preconceito.
Encerrando com mais do nobre Severino Cavalcanti,
Severino Cavalcanti: Um dos maiores opositores de D. Hélder Câmara
Durante a ditadura, foi um dos maiores opositores do então arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, da ala progressista da Igreja Católica. Com mandato de deputado estadual, usava a tribuna para fazer críticas e para pregar o afastamento de Dom Hélder, a quem chamava na época de “bispo vermelho”. A informação é do jornal O Globo, 16-2-05.
Segundo o jornal, Severino foi mais longe e pediu a expulsão do padre italiano Vito Miracapillo. O sacerdote, que vivia no Brasil desde 1975, foi expulso porque, em setembro de 1980, recusou-se a celebrar uma missa pela Independência do Brasil, em Ribeirão (PE), alegando que não acreditava que o povo brasileiro fosse independente.
O padre foi denunciado por Severino ao ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Em 15 de outubro de 1980, o então presidente, o general João Baptista Figueiredo, assinou a expulsão, usando como fundamento legal o recém-aprovado Estatuto do Estrangeiro (a lei 6.815). Há cinco anos, em entrevista ao “Jornal do Commercio” (PE), Severino disse que não se arrependia de seu gesto: “Voltaria a fazer a mesma coisa porque ele estava desagregando a sociedade de Ribeirão. A prova disto é que eu tive a maior votação da história da cidade. O segundo deputado mais votado teve metade do que eu tive. Isto é uma consagração”.
Maiores detalhes da campanha barulhenta que o deputado Severino Cavalcanti promoveu para convencer o regime militar de João Figueiredo a expulsar o padre italiano Vito Miracapillo, que vivia no interior de Pernambuco, pode ser lida no jornal Valor, 16-2-05.
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