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8.7.14

Neymar e o pleonasmo

Neymar, melhor jogador do Brasil na Copa, foi tirado dela por uma falta carniceira que lhe rebentou um pedaço da coluna. Não foi o primeiro jogador do mundial a ir parar no hospital, nem seu agressor foi punido sequer com um cartão amarelo, deixando claro o quanto o sistema (tanto as regras formais quanto as instruções e entendimentos informais) de arbitragem da FIFA é inútil. Zuñiga, o carniceiro escolhido para bater na Colômbia, explicou que "poderia ser ele, poderia ser o James, é assim mesmo." Mas ao invés de se ater à necessidade de reformar as regras para preservar o futebol dos Neymares e James contra os Zuñigas e Fernandinhos, o que se vê muito é gente da torcida antibrasileira (incluídos os muitos brasileiros que a integram - desconheço se o fenômeno é comum mundo afora) explicar que "Neymar não era nenhum santinho," ou que "o Brasil também é violento." Ora, se isso é, rigorosamente, verdade - e, de novo, precisa ser impedido, porque prefiro ver Neymar e James jogarem do que Zuñiga e Fernandinho, porrada já tem seus eventos esportivos - também é rigorosamente irrelevante. Nem pode-se argumentar que o animus de falar da violência brasileira esteja falando em "consequência" e não no "bem-feito,"  porque não há nenhum indício de que o técnico da Colômbia, Pekerman, ou Zuñiga tenham ficado dias insones olhando para as maldades de Felipão e Neymar, e jurado vingar suas vítimas. Felipão e Pekerman sabem bem que o jogo violento funciona, e por isso mandam bater; e mandariam mesmo que a seleção adversária fosse de quakers.

Se a vítima é boazinha, pura, ou inocente, isso não importa pra que a agressão seja um absurdo, não muda sua condição de vítima. "Vítima inocente" não devia ser um pleonasmo enfático, como fica sendo quando seguimos o raciocínio de que só pode ser vítima o inocente, nunca o culpado. Neymar poderia ter quebrado mil colunas que ter a sua quebrada não seria apenas uma justa paga. Há oito anos atrás, escrevi coisa parecida, quando da iteração daquele ano da longa marcha descivilizatória de Israel.

Normalmente, eu odeio comparações entre Israel e os nazistas. Não gosto de "ironias e lições da história" reducionistas, e essa em particular tem um odor a anti-semitismo que, por mais leve que seja, fede. O anti-semitismo, em parte graças à contribuição israelense fornecendo desculpas para ele, nunca esteve tão morto quanto, na ressaca do pior crime da história, gostaríamos de supor que ele estivesse, afinal.

Mas a comparação é inevitável, quando Israel estabelece uma razão de 1:10 a ser observada em termos de prédios atingidos por bombas. Isso é retribuição coletiva, sem nenhuma "razão militar" (sem entrar no mérito do caráter esfarrapado das justificativas militares para bombardeios aéreos). E fala em prédios por pura hipocrisia, para não falar em gente. Aliás, a razão è obviamente muito maior do que dez pra um, já que a densidade populacional nos subúrbios de Haifa é muito menor do que no Líbano, e as bombas israelenses muito mais destrutivas do que os foguetes do Partido de Deus.

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O mencionado Hezbollah não é flor que se cheire, de jeito nenhum. É uma milícia violenta, racista e fundamentalista religiosa, no pior sentido. Mas essa é uma característica comum das vítimas de massacres: se recusam a ser puras e angélicas. Não eram anjos as vítimas de Pol Pot, Hitler, Stálin, Mao, Saddam, ou de qualquer outro massacre. Condenar o crime, felizmente, pra qualquer pessoa decente, não depende dessa pureza, e para qualquer pessoa inteligente não implica em inventá-la. Quem insiste nessa falta de pureza para exonerar os criminosos lembra um advogado de estuprador dizendo que a vítima usava saia curta. (Outro exemplo comum são aqueles articulistas que "denunciam" que índios também guerreavam, ou que africanos fizeram a sua parte no tráfico atlântico).

É claro que uma joelhada nas costas não se compara a bombardear cidades inteiras - nem tampouco a violência em campo de Neymar ou Felipão se compara a explodir praças. Deixemos Neymar ser vítima quando é, por mais que não gostemos do Brasil, da seleção, da CBF, do próprio Neymar, ou o que seja. 

PS Absolutamente nada contra quem torce a favor de outro time que não o do país aonde nasceu. Pessoalmente, queria que não houvessem mais países... 

PPS Particularmente horrível-engraçado na história toda foi a guerra de comentaristas de página na Internet - essa espécie estranha de hominídeo - em torno da foto da filha de Zuñiga, com uns desejando "currar a filha desse preto safado" e outros respondendo aos primeiros com "só podia ser brasileiro, vergonha desse país," numa espiral de ódio que poderia facilmente suprir energia ao mundo sem precisar de Belo Monte nenhuma.

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