Se a vítima é boazinha, pura, ou inocente, isso não importa pra que a agressão seja um absurdo, não muda sua condição de vítima. "Vítima inocente" não devia ser um pleonasmo enfático, como fica sendo quando seguimos o raciocínio de que só pode ser vítima o inocente, nunca o culpado. Neymar poderia ter quebrado mil colunas que ter a sua quebrada não seria apenas uma justa paga. Há oito anos atrás, escrevi coisa parecida, quando da iteração daquele ano da longa marcha descivilizatória de Israel.
Normalmente, eu odeio comparações entre Israel e os nazistas. Não gosto de "ironias e lições da história" reducionistas, e essa em particular tem um odor a anti-semitismo que, por mais leve que seja, fede. O anti-semitismo, em parte graças à contribuição israelense fornecendo desculpas para ele, nunca esteve tão morto quanto, na ressaca do pior crime da história, gostaríamos de supor que ele estivesse, afinal.
Mas a comparação é inevitável, quando Israel estabelece uma razão de 1:10 a ser observada em termos de prédios atingidos por bombas. Isso é retribuição coletiva, sem nenhuma "razão militar" (sem entrar no mérito do caráter esfarrapado das justificativas militares para bombardeios aéreos). E fala em prédios por pura hipocrisia, para não falar em gente. Aliás, a razão è obviamente muito maior do que dez pra um, já que a densidade populacional nos subúrbios de Haifa é muito menor do que no Líbano, e as bombas israelenses muito mais destrutivas do que os foguetes do Partido de Deus.
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O mencionado Hezbollah não é flor que se cheire, de jeito nenhum. É uma milícia violenta, racista e fundamentalista religiosa, no pior sentido. Mas essa é uma característica comum das vítimas de massacres: se recusam a ser puras e angélicas. Não eram anjos as vítimas de Pol Pot, Hitler, Stálin, Mao, Saddam, ou de qualquer outro massacre. Condenar o crime, felizmente, pra qualquer pessoa decente, não depende dessa pureza, e para qualquer pessoa inteligente não implica em inventá-la. Quem insiste nessa falta de pureza para exonerar os criminosos lembra um advogado de estuprador dizendo que a vítima usava saia curta. (Outro exemplo comum são aqueles articulistas que "denunciam" que índios também guerreavam, ou que africanos fizeram a sua parte no tráfico atlântico).
É claro que uma joelhada nas costas não se compara a bombardear cidades inteiras - nem tampouco a violência em campo de Neymar ou Felipão se compara a explodir praças. Deixemos Neymar ser vítima quando é, por mais que não gostemos do Brasil, da seleção, da CBF, do próprio Neymar, ou o que seja.
PS Absolutamente nada contra quem torce a favor de outro time que não o do país aonde nasceu. Pessoalmente, queria que não houvessem mais países...
PPS Particularmente horrível-engraçado na história toda foi a guerra de comentaristas de página na Internet - essa espécie estranha de hominídeo - em torno da foto da filha de Zuñiga, com uns desejando "currar a filha desse preto safado" e outros respondendo aos primeiros com "só podia ser brasileiro, vergonha desse país," numa espiral de ódio que poderia facilmente suprir energia ao mundo sem precisar de Belo Monte nenhuma.
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