Pela polissemia extrema, tem muita gente que se avogou em porta voz do povo na rua, seja a favor (imputando suas próprias convicções a ele, e se dirigindo às autoridades) ou contra (temendo um golpe ou fascismo). Besteira. O movimento não é unificado, apesar da preponderância de pautas caras à classe média, influenciada mas não comandada pela mídia. Tem abaixo a rede Globo e abaixo o Bolsa-Família, tudo junto e misturado. E a FIESP não tem nenhuma vontade de fazer golpe contra uma presidenta que é sua aliada contra a FEBRABAN. Não quando o pior que pode acontecer é ser eleito ano que vem o candidato da FEBRABAN. Os milicos até muito gostariam, foram lá na Pirâmide do Mal da Paulista em romaria (e a visão do povo na frente cantando o hino enrolado na bandeira deve ter lhes levado lágrimas aos olhos), mas não são eles quem manda.
Saíram, dessa geléia geral, alguns temas recorrentes, e já que não tenho a hybris de dizer que o movimento realmente é pelo que quero, falo do que gostaria que fosse:
1) O passe livre, reinvindicação que começou tudo. No começo era contra, por achar que tem coisa melhor pra fazer com 12 bilhões de reais por ano só em São Paulo. Hoje, acho razoável. Faria uma verdadeira revolução no acesso à cidade e, se financiado por um IPTU triplicado e pedágio urbano de 10 reais por dia, seria ainda por cima fortemente progressivo. Até as empresas gostariam de não ter que pagar vale-transporte. E eu nunca mais ficaria catando o bilhete único pela casa. Aliás, para dar uma idéia do quanto IPTU no Brasl é baixo, meu IPTU, num apartamento de três quartos num bairro burguês (a três quarteirões do apartamento do prefeito, pra ser exato), poderia triplicar que o passe livre para duas pessoas compensaria plenamente o aumento.
2) A copa do mundo. A galera que é contra a copa do mundo pelos gastos públicos exagera, e muito, o tamanho desses gastos. Nos estádios e seu entorno propriamente ditos o gasto não chega, na mais exagerada das estimativas, a 12 bilhões. Ao longo de oito anos. 1,5 bilhões por ano não chega a 3% do gasto de um ministério grande como educação, saúde, ou defesa. E sobre a corrupção, não é como se a copa fosse especial. Pra ficar na saúde, o hospital inaugurado com show superfaturado da Ivete Sangalo já começou a ruir...
Não que eu não tenha problemas com a copa e a olimpíada (e quiçá a expo 2020). Mas eles são por outro lado. Tenho problemas com a lei esdrúxula que submente o Brasil à FIFA. Tenho problemas com desfigurarem os estádios em nome do padrão FIFA, que aliás vai ser péssimo pros clubes depois, com os VIPS e VVIPS. Tenho problemas com o plano urbanístico previsto na maioria dos estádios, incluindo as remoções.
3) A PEC 37. Nos EUA, o ministério público não investiga, nem na maioria dos países de sistema judicial de common law. E é órgão do Executivo, não independente. Não consta que a justiça americana seja tão pior do que a nossa assim. Não que eu seja a favor dela, mas que não consigo, honestamente, formar opinião. E olha que, ao contrário de 99% dos que protestam contra ela, li a porcaria e as opiniões de juristas sobre.
4) Contra a corrupção, pela paz, pela saúde e educação, etc. Cês sabem que o Collor se elegeu com a bandeira de combate à corrupção, né? E Nação acima de partidos. Serião que cês querem reeleger o Collor?
5) Last but not least, a violência policial, que fez com que o movimento restrito pelo passe livre se tornasse um fenômeno de massa. Sem negar o quanto de sensibilidades injustas teve na reação chocada à violência policial contra jovens de classe média, o fato de na favela a bala ser de chumbo não torna menos legítima a indignação com a bala de borracha no protesto. São ambas ilegítimas, ilegais, e erradas. E não dá pra simplesmente dizer que a polícia "se excedeu." Não se excedeu. Ela é feita pra fazer isso mesmo. A polícia brasileira mata milhares de pessoas por ano, com a alegação de proteger a Ordem. Não as leis escritas, mas a Ordem hierárquica, consuetudinária. A polícia brasileira consiste de soldados, não de policiais, que são treinados para fazer o que se vê eles fazendo nestas últimas semanas. Sem desmilitarizar as polícias, criando uma polícia civil única (e sem "guarda metropolitana" também), não tem como falar em justiça no Brasil.
Não que seja nos costumes e hierarquias da polícia e das forças armadas apenas que o autoritarismo sobreviveu no Brasil. Ainda tem muita coisa nas próprias leis. Quer coisa mais kafkiana do que o crime de "resistência à prisão"? Ou "apologia ao crime," que a rigor proibiria a menção de descriminalização de qualquer coisa, fora a amplitude com que é interpretado. Desacato à autoridade? A polícia brasileira não é horrível porque os policiais contratados são más pessoas, mas porque é para isso que serve. Isso tem que mudar. Isso - vergonhosamente ausente dos "pactos" da presidenta - deveria ser, mais do que tudo, a prioridade nos protestos que tomaram corpo com a própria violência policial.
5) Last but not least, a violência policial, que fez com que o movimento restrito pelo passe livre se tornasse um fenômeno de massa. Sem negar o quanto de sensibilidades injustas teve na reação chocada à violência policial contra jovens de classe média, o fato de na favela a bala ser de chumbo não torna menos legítima a indignação com a bala de borracha no protesto. São ambas ilegítimas, ilegais, e erradas. E não dá pra simplesmente dizer que a polícia "se excedeu." Não se excedeu. Ela é feita pra fazer isso mesmo. A polícia brasileira mata milhares de pessoas por ano, com a alegação de proteger a Ordem. Não as leis escritas, mas a Ordem hierárquica, consuetudinária. A polícia brasileira consiste de soldados, não de policiais, que são treinados para fazer o que se vê eles fazendo nestas últimas semanas. Sem desmilitarizar as polícias, criando uma polícia civil única (e sem "guarda metropolitana" também), não tem como falar em justiça no Brasil.
Não que seja nos costumes e hierarquias da polícia e das forças armadas apenas que o autoritarismo sobreviveu no Brasil. Ainda tem muita coisa nas próprias leis. Quer coisa mais kafkiana do que o crime de "resistência à prisão"? Ou "apologia ao crime," que a rigor proibiria a menção de descriminalização de qualquer coisa, fora a amplitude com que é interpretado. Desacato à autoridade? A polícia brasileira não é horrível porque os policiais contratados são más pessoas, mas porque é para isso que serve. Isso tem que mudar. Isso - vergonhosamente ausente dos "pactos" da presidenta - deveria ser, mais do que tudo, a prioridade nos protestos que tomaram corpo com a própria violência policial.