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2.8.10

Os trilhos e a locomotiva

O Globo e o Estadão denunciam, apoiados em estudos do IBMEC: com os 36 bilhões do trem-bala entre o Rio e Campinas daria para construir mais de 200Km de metrô. A preocupação dos dois com transporte urbano é tocante, apesar de não se estender à denúncia da conversão, acertada entre a prefeitura do Rio e o Comitê Olímpico Internacional, do que seria uma ligação por trilho por uma autopista com ônibus rápidos, de modo a permitir que esta fosse usada pela "família olímpica" e carros privados, mas tudo bem.

O que é um pouco curioso é que o grande amigo dos diretores do Globo e do Estadão, o governo de São Paulo, alardeia para quem quiser ouvir (e para quem não quiser também, com um investimento quase bilionário em publicidade) que, ao custo de 20 bilhões, está construindo 16Km de metrô. Enquanto o Globo consegue pagar menos de 180 milhões por Km de metrô, o governo de SP paga 1.250 milhões, só míseros 1.070 milhões a mais. Talvez fosse o caso de as famílias Marinho e Mesquita avisarem a seus amigos no governo onde estão comprando metrô baratinho - espero que não seja no camelô ne na Daslú.

Outra curiosidade dessa construção de metrô é que ela é alardeada como uma prova da eficiência do governo paulista. Ora, é antes uma prova do dinheiro disponível. Afinal, São Paulo não é apenas o estado mais rico do Brasil, tanto em termos da riqueza total quanto da por cabeça: é também o beneficiário de uma legislação fiscal no mínimo curiosa. Responda rápido: qual o governo estadual brasileiro que recebe mais dinheiro da produção de petróleo? Se respondeu Rio de Janeiro, errou: o Rio recebe royalties que valem mais ou menos uns dois terços do valor que São Paulo recebe de ICMS.

O ICMS, maior imposto cobrado no Brasil, é regulado pela Lei Kandir. Incide sobre a venda ou circulação de qualquer bem ou serviço, e é cobrado na origem, isto é, no local de produção, com a única exceção, explícita, de produtos energéticos (petróleo e eletricidade) e lubrificantes. Ora, isto quer dizer que, quase explicitamente, beneficia São Paulo (e em menor escala, Santa Catarina) em detrimento do resto da federação. Se essa cláusula fosse eliminada, a arrecadação de São Paulo diminuiria em 16 bilhões por ano - quase, anualmente, o total investido em metrô ao longo destes últimos oito anos. O Rio ficaria com a maior fatia disso, 10bn. Espírito Santo, Paraná e Pará ganhariam pouco mais de um bilhão cada; e os outros 2 bilhões iriam para o resto da federação.

É isso mesmo: o estado mais rico do Brasil recebe, por lei, um subsídio especial tirado dos outros estados. Um pobre consolo é que, pelo menos, os estados mais afetados negativamente por essa cláusula são, com a exceção do Pará, também ricos. Por outro lado, essa situação mudará com as novas hidrelétricas amazônicas, acrescentando Rondônia à lista.

Nem essa situação é nova, no Brasil. São Paulo não ganhou sua preponderância econômica devido ao acaso nem à virtude quase-racial do povo paulista ainda ensinada em algumas escolas. O Brasil, longe de "tirar dinheiro dos homens de bem do sudeste para sustentar os vagabundos nordestinos," sempre tem transferido renda, via governo nacional, dos estados mais pobres para os mais ricos, desde o fim do século XIX. Tome por exemplo os imigrantes: aprendemos na escola que os primeiros imigrantes, destinados a substituirem os escravos, comeram o pão que o diabo amassou, o que é verdade. O que é menos mencionado é que a imigração, parte de uma política de branqueamento racial deliberada, era subsidiada pelo governo nacional. E que após essa primeira leva, os imigrantes receberam vantagens econômicas diretas do governo nacional e daquele da província de São Paulo.

Outras transferências abundam: assim, na República Velha, a função principal do governo federal parecia ser garantir os lucros dos cafeeiros. Quando começou a industrialização pesada sob o Estado Novo, as instalações ficaram todas no Rio e em São Paulo. Os subsídios à indústria se intensificaram com Juscelino, e novamente, numa visão curta da eficiência do investimento, se incentivava a indústria do sudeste e o extrativismo em outras regiões; assim, mesmo coisas alegadamente destinadas a promover outras regiões funcionavam como as ajudas externas americanas destinadas a minas na Guiné; a zona franca de Manaus é uma meia exceção.

O sudeste brasileiro é a região mais rica, e dentro dele São Paulo é o estado mais rico, por vários motivos. Um dos pouco mencionados, e dos mais importantes, é que o governo brasileiro não transferia renda regressivamente apenas no campo do indivíduo, mas também entre regiões. Isso agora está começando a mudar, com a atuação do BNDES direcionada a novos empreendimentos industriais no nordeste e o bolsa família. Mas só começando. Assim, não é de se surpreender que enqunato nos EUA o estado mais rico, Maryland, tenha uma renda (70.000USD) de um pouco menos do que o dobro do mais pobre (37.000, Mississippi), no Brasil essa diferença é de um pouco menos de cinco vezes. (SP R$ 22.000, Piauí 4.500). A diferença entre a renda per capita do Sudeste, excluída Minas Gerais, e a do Brasil é similar à diferença entre Maryland e o Mississippi, o que é ainda mais grave se levarmos em conta o quanto a região, com quase um terço da população brasileira, distorce o dado nacional.

Por isso que, mais uma vez, digo: menos mal que, pelo menos, sejam atualmente o Rio e o Paraná os financiadores do metrô de São Paulo. Pelo menos não é o Piauí.

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