A maior fonte de força de Marina Silva - provável nova candidata do PSB que ela denunciava há menos de um ano como velha política - também é a fonte da minha rejeição pessoal a ela. Não é a sua posição política real que, tanto quanto possa ser precisada, é mais ou menos a direita do PT, nem tanto à direita da Dilma que também está na direita do PT. Mais economicamente liberal por um lado (o programa de 2010 incluía privatização da previdência), talvez mais ambientalista por outro (mas não se manifestou contra Belo Monte durante a campanha de 2010, e aprovou a BR-364); certamente mais moralmente conservadora pessoalmente, mas não se sabe o quanto isso faria diferença prática. O problema é esse não se sabe, é o quanto a candidata foge da definição, se apresentando não como a proponente de um plano mas como uma personalidade em cima da qual cada eleitor pode, apaixonadamente, projetar seus próprios anseios. Não é uma solução híbrida, em que altermundialistas convivem resignados e inamistosos com o Povo de Deus, mas uma solução absoluta em que Marina levará o Brasil ao caminho anticapitalista da liberdade para uns, à República Cristã para outros.
Marina tem força porque é a missionária Marina da Assembléia de Deus, que prega o ensino nas escolas públicas do criacionismo junto ao "evolucionismo" "para que as crianças possam escolher em que acreditar," um discurso aparentemente democrático usado pelos defensores americanos do criacionismo há tempos. Os criacionistas sabem bem o que significa essa cifra; os defensores modenos e laicos da candidata acreditam que isso é um repúdio ao criacionismo. Ambos, ferrenhos opositores entre si, acreditam que ela está do seu lado e na verdade o outro, em seu apoio, é um tolo iludido.
Marina tem força porque é a candidata amada pelo Mercado, aquela nebulosa entidade que representa os interesses do grande capital internacional, repudiado tanto por muitos evangélicos quanto por quase todos os altermundialistas. O Mercado acredita na privatização da Previdência lá do programa de 2010, acredita na expansão da BR-364, e num governo brasileiro mais amigo dos seus interesses, enquanto altermundialistas e evangélicos sonham com uma candidata que leve o Brasil para um caminho diferente de desenvolvimento, ou até à renúncia do desenvolvimento capitalista, certamente não é nisso que os analistas do Mercado acreditam. Mas uns votam e outros investem.
Marina tem força porque é a candidata que supera o fla-flu na política, a baixaria eleitoral, a polarização, dizem-nos outros eleitores - apesar de não apenas todos os acima mencionados mas eles próprios se dedicarem à polarização, à torcida, à discussão antes dos defeitos dos outros que de programas, à glosa de quaisquer defeitos da candidata e de seus aliados. Aliás, apesar da esquiva da candidata em se aferrar a qualquer programa definido, com direito a anunciar que há pontos (indefinidos) do próprio programa escrito da candidatura que não são dela. Porque é a candidata da nova política ética contra tudo isto que está aí, mesmo sendo aliada (sem querer o registro da foto em cartaz) de Alckmin, tendo sido vice na chapa de um governador hereditário, tendo sido ministra colega de Dilma, política experiente e afeta a alianças por vinte anos. Não importa a história, importa o sonho.
Enfim, Marina tem força porque é, qual Dom Sebastião surgindo da vaga bruma, o novo, a superação da vergonha pela iníqua história brasileira, que é mistura de gargalhada e vale de lágrimas, a utopia que varrerá para sempre o passado. Porque é a negação da história (exceto pela sua própria história pessoal, mesmo esta convenientemente editada), uma tabula rasa em que qualquer um pode projetar o que quiser. (Não confundir tabula rasa com poste; de Dilma ou Haddad nada se sabia das suas competências pessoais como governante, o que é diferente de rejeitar a precisão de sua ideologia. Um foi melhor que a outra...) E eu admito, de bom grado, que sou mais tímido do que esperançoso, e projeto nessa tabula rasa mais medos que sonhos. Principalmente graças à tal preferência do Mercado, que é quem tem mais força passada a eleição.
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