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18.2.16

O complexo do vira-latas orgânico

Não deixa de guardar relação com o texto de ontem: ontem e antes de ontem, encarei duas versões do que já acho que dá pra chamar de um complexo (em mais de um sentido) do vira-lata orgânico. São as pessoas que expressam a convicção íntima da ruindade brasileira pela ótica da ecologia e outras causas mais alinhadas com o espectro de esquerda do que com riqueza e opulência. De novo: não se trata de constatar problemas do Brasil, que são muitos e candentes, mas de contrastar esses problemas com uma visão idealizada de outros países, geralmente localizados no Primeiro Mundo (space stereo), mas dependendo das veleidades políticas pode ser algum vizinho latinoamericano, ou talvez alguma nação asiática ou africana "pobre segundo a ótica da civilização ocidental, mas rica em sabedoria." Os diálogos, via face:



Comentário: "Quem dera aqui no Brasil também se fizesse iniciativas como essa, mas não as veremos nunca!"
Eu: "Ahn, tem. Só que é seis vezes. Do Minha Casa Minha Vida." 
"Fonte?"
"Fonte"
"Ah, mas a Dilma vetou prioridade a renováveis. Infelizmente o Brasil vai continuar sem investir em energias renováveis."
"A) Isso é outro assunto, B) o Brasil é o país que mais cresce em energia eólica do mundo."
"Quem dera os conjuntos do Minha Casa Minha Vida tivessem o capricho e a beleza desse condomínio alemão. Odeio falar mal do Brasil, MAS..." 

Só pra esclarecer: o condomínio alemão é um condomínio de luxo, com preço de venda entre 2700 e 3300 euros por metro quadrado, ou aluguel em torno de 11 euros o metro quadrado, no limite superior dos preços em Friburgo. Um tico mais do que os preços do Minha Casa Minha Vida. 

A outra ocasião: 

"Uruguai promulga lei do software livre."
"Quem dera o Brasil seguisse o exemplo, ao invés de continuar enchendo os cofres da Micro$oft."
(O Uruguai se inspirou no, e teve ajuda do, Brasil na questão.)

Ainda outra, esta ontem: 

"Peru vai isentar livros de impostos por três anos. Aquele momento em que você tem inveja do Peru."
"No Brasil já é isento desde o tempo do Sarney. Tá na constituição federal, inclusive."
"Achei este artigo de tributarista que fala que o livro no Brasil paga imposto sim, porque as editoras e seus donos pagam imposto de renda, Cofins, e PIS."
"Ahn, no Peru não isentaram editores de pagar impostos e contribuições trabalhistas. Só o livro." 


Ainda noutra ocasião, há tempos atrás, comentei que o Brasil tinha reduzido o desmatamento neste século (pruma pessoa que lamentava que enquanto a Venezuela se preocupava com ecologia, o Brasil só desmatava cada vez mais), e a resposta foi um texto indignado dizendo que eu me informava em sites neoliberais ao invés de no imazon. 

Aqui o gráfico do desmatamento na Amazônia segundo o Imazon: 



(Peguei link direto, aliás. Pode olhar a fonte da imagem.) 

Só pra deixar claro, a Venezuela no mesmo período


















De novo: o Brasil tem problemas sérios, e enormes. O desmatamento na Amazônia parou de cair, e quatro a cinco mil quilômetros por ano é coisa pra burro - e a Amazônia ainda é o bioma menos degradado. Militantes pelo meio ambiente, pelos sem terra ou pelos índios são assassinados literalmente às centenas.  E o governo pretende mesmo fazer as fantasias gernsbackianas na selva que são o complexo hidrelétrico do Tapajós.  Numa nota menor, a área plantada com orgânicos recuou, e o consumo de agrotóxicos aumentou (e já era enorme). 

Mas uma lenda negra do próprio país não é uma forma de denunciar e melhorar esse país. É só uma forma de autoconforto na convição fatalista duma merda absoluta. O Brasil também tem - e isso não é benesse de governo, mas conquista coletiva - bastante coisa boa acontecendo. É o país que mais diminuiu emissões de gases de efeito estufa no mundo, e isso porque já emitia pouco em comparação com o PIB; o saneamento continua vergonhoso, mas cresceu mais na última década que no século anterior; o país é, repetindo, aquele no qual a energia eólica mais cresceu no mundo nos últimos anos, e deve continuar a ser nos próximos; em 2014 o crescimento foi de 122%.  

Custa não cair nem no ufanismo raso nem no seu oposto, pelo visto. Viramos torcida do circo romano, pronta pro vaticínio total sobre a essência de algo, ao invés de gente tentando ver o que acontece. 

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