A imprensa, e boa parte da opinião pública, parece convencida de que "foro privilegiado" é alguma versão de inimputabilidade. A ideia é curiosa; o foro "privilegiado" é, na verdade, a renúncia ao duplo grau de jurisdição. Fosse Lula julgado por Moro, poderia recorrer à segunda instância, depois à terceira, depois à quarta. Agora, já vai direto para a quarta (assumindo-se que vire réu; apesar da espetacular condução sob o fio das armas no aeroporto de Congonhas, Moro não o acusou formalmente de nada, ainda, nem naquele depoimento havia indício de que promotoria e juiz de instrução tinham algo concreto para acusar - há indícios, principalmente nas delações de Delcídio).
Fazia sentido achar que foro privilegiado é privilégio nos bons tempos do Engavetador-Geral da República, como era apelidado Geraldo Brindeiro, em que o Procurador-Geral era escolhido por afinidade ideológica com o presidente. Já há algum tempo, entretanto, o Procurador-Geral é votado por seus pares, e a presidência apenas chancela essa escolha. Tanto é que foram presos ministros petistas, já. E sinceramente, se estivesse com medo de "me pegarem pelos meus crimes," preferiria muito mais ser preso pelos aloprados de São Paulo e Curitiba, cujos atropelos espetaculosos do devido processo legal praticamente garantiriam que a prisão fosse, depois, anulada pela segunda instância, do que por Janot, que come quieto e amarra direitinho. Fugir de Dallagnol e Conserino para cair no Janot é como encarar Voldemort pra fugir de Draco Malfoy.
O motivo da indignação da mídia, então, não é a possibilidade de que um criminoso escape do devido processo de investigação legal, e Moro escancarou isso ontem, ao escancarar à mídia o grampo - que ele mesmo disse não conter evidência nenhuma, que teria sido feito depois de fechada a autorização e portanto ilegal, devendo ser destruido, que envolvia a presidente, então mesmo que fosse legal deveria ter sido remetido incontinente ao STF. A indignação é estritamente política: o ditador comunista Lula saiu da alçada do "paladino" Moro, que iria restaurar o Brasil à normalidade democrática e capitalista. Se há alguma prova ou não contra ele, se seria preso dentro do processo legal ou à sua revelia, é irrelevante. O importante é ir preso. Na verdade, os gritos na Paulista, ainda insuflados pela imprensa nesta manhã mas sem que a imprensa os repita ela mesma, são mesmo por outra coisa: morte.
Sim, insuflados. Não tem outro motivo pra se dar atenção à "gravação," pra esmiuçar como relevante uma conversa que, de novo, o próprio Moro, que acha que falta de prova é prova de falta, já declarou não ter nada demais. Não tem outro motivo pra uma abertura de sigilo do processo que põe em questão o processo inteiro - e pode inclusive resultar na anulação da condenação de gente que tá na cadeia. E esse animus belicoso inclusive justifica o que é difícil de justificar - a nomeação de Lula como ministro para trocar de foro. Porque, a partir do momento que fica claro que a ideia de Moro é a perseguição política a Lula, escapar do juiz deixa de ser sinônimo de escapar da Justiça.
PS Sobre a nomeação, aliás, é curioso observar que são contraditórias as ideias de que Dilma agora será "rainha da Inglaterra" e Lula governará em seu lugar e de que a nomeação é apenas para escapar de Moro. Se a primeira alegação é verdadeira, a segunda só o será trocando "apenas" por "também." Ministério apenas para escapar de Moro seria algo como pesca, assuntos estratégicos, ou que-valhas.
Um comentário:
Ótimo texto, bem objetivo!
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