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28.11.14

O que fazer?

Comunismo é igual ao governo do partido mais a eletrificação total do paí... pera, não. Outro o que fazer. O que fazer quanto à crise da Cantareira, em que milhões de paulistanos se arriscam a ficar sem água nenhuma, e eles mais outros tantos milhões já estão bebendo água de qualidade duvidosa? O pacote de obras já planejadas pela Sabesp, para o qual o governador Geraldo Alckmin pediu dinheiro federal (nenhuma palavra sobre se vai parar de remunerar acionistas com fartos dividendos) foi vastamente criticado porque não fala em redução de consumo ou proteção de mananciais existentes, mas apenas em mais produção de água. A crítica não é inteiramente justa; o governo também fala em reutilizar esgoto tratado (num processo perigosamente otimista, diga-se), mas também não é completa: o plano de Alckmin não ficará pronto para o ano que vem, e no ano que vem, salvo milagre, já não teremos água. Um plano realista deveria elencar ações de curto prazo (com efeito agora e para o ano que vem), de médio prazo (com efeito para esta década), e de longo prazo.

De curto prazo:


1) Admitir que está havendo racionamento, e quais suas consequências. A Sabesp, que foge da palavra racionamento como o diabo da cruz, na prática já o implementa, na forma da redução de pressão durante a noite, e pensa em eternizá-lo. A redução diária da pressão maximiza os efeitos negativos do racionamento, isso é, o dano estrutural aos tubos e a contaminação da água. A água que estamos bebendo - com direito ao vermezinho que apareceu no meu filtro d'água em meio à ferrugem - não está muito contaminada pelos volumes mortos dos reservatórios da Cantareira, que, ao contrário dos reservatórios a sul, da Guarapiranga e Rio Grande, que têm autódromo, fábrica, favela, e rodoanel nas margens, ficam em áreas rurais. A contaminação ocorre quando se baixa a pressão e sujeira (de vermes a metais pesados) entra pelos tubos trincados pela pressão intermitente, pra depois ser levada, qual rotorúter, pelo aumento da pressão. Não estamos bebendo água de volume morto, mas água de rotorúter. Isso quer dizer que os órgãos públicos deveriam estar fazendo campanha de conscientização para que se ferva água e troque de filtro, e quiçá use-se dois filtros. Quer dizer que hospitais deveriam estar usando filtros em sua captação. E aí por diante; a situação de 95% das empresas não terem plano de contingência, estimulada pelo governo dizendo que "não faltará água," deve ser revertida. Não é para entrar em pânico, mas é pra ficar bem mais assustado do que aparentemente se está. Quer dizer, também, que a Sabesp que pretende eternizar o racionamento diário deve contratar muito mais gente, por mais que isso reduza os dividendos, pra manutenção.

2) Desde o começo do ano, venho tomando banho com um balde entre as pernas. A água que fica no fundo é usada para dar a descarga. Parece coisa de ecohippie? É too much information? Pois é o que todo paulistano deveria estar fazendo. O balde, numa casa com duas pessoas, serve para pelo menos cinco descargas. 15 litros por dia. 7 milhões de pessoas. A Cantareira tem capacidade máxima de 46m3/s e está usando 14-20. Se todo mundo economizasse 15 litros todo dia, seriam (15x7*10^6)/(10^3x86400)=1,2m3/s - quase 10% de cantareira a mais. Parece pouco? É mais do que o dobro do que sobrou no fundo da poça. Essa, e outras estratégias de redução de consumo, devem ser marteladas na cabeça da população, bem como a idéia de que estamos, sim, numa emergência. Nada de "choveu hoje, esse fimde vou lavar o carro." De novo, a admissão: São Paulo, mesmo sem as insanidades cometidas na administração da Cantareira, é um deserto A afirmação parece curiosa quando se olha para o céu da antiga terra da Garoa, em que mesmo na seca histórica deste ano não parou inteiramente de chover, em que há um mês chove quase todo dia. Mas é que os desertos não se baseiam na quantidade de chuva, mas em quanta água doce sobra. O Nordeste brasileiro é mais árido que Londres, apesar de chover mais no 1º, porque a água evapora. O pior de todos os desertos é o mar oceano. E a quantidade de chuva que cai em São Paulo e nos arredores, construída alto demais para que um rio venha de longe nos trazendo mais água, quando dividida por seus 20 milhões de habitantes, é a de um deserto. Menor, muito menor do que no semiárido nordestino. O Tietê que corre aqui não é o rio de 1km de largura que deságua no imenso Paraná, é pouco mais que um ribeirão entre as montanhas. Os diversos sistemas de captação já captam quase que 100% da água num raio de 80km, mais até se incluirmos as represas do Paraíba, que captam água para outras partes mas captam.

De médio prazo:

3) Claro, o balde é uma maneira pouco eficiente de se recuperar água cinza. Uma instalação de água cinza razoável, eficiente, ligando apenas o chuveiro (e, quando prático, a lava-roupas) à descarga dentro de cada unidade residencial, sem grandes firulas, não custaria mais de R$1000, e recuperaria pelo menos 4x isso. O componente mais caro seria uma motobomba de R$100. O custo, para se universalizar isso dentro do âmbito do Cantareira, seria de uns 3 bilhões. Mais barato, e com "geração" de água via economia maior, do que os planos de ir buscar água em Juquiá. E o melhor: se o governo agilizasse um plano de incentivo a que isso fosse feito agora, como não depende de grandes licitações e obras, começaria a gerar economia agora. Mas, de novo, isso mexeria nos lucros da Sabesp, que com isso venderia menos água ao invés de mais. Mas poderia ser, inclusive, programa federal; feito um "kit água cinza," bancos públicos poderiam financiá-lo em todo o Brasil (para cinquenta milhões de domicílios, o custo sairia em 50bn - e a economia de água poderia chegar a 100m3/s, mais do que toda a Cantareira mais o Guandu).

4) Perenizar e reforçar os sistemas do volume morto. Como já disse no outro post, o volume morto não é, no momento, um sistema integrado da represa. Antes, é um conjunto de motobombas a diesel que funciona graças a um sistema de correia eterna precário de caminhões-tanque. (O que, aliás, maximiza as chances de contaminação pelo próprio diesel.) Isso significa, entre outras coisas, que não devemos rezar por chuva muito forte para recompor a Cantareira, porque uma chuva forte pode abrir uma voçoroca na estrada e interromper o suprimento de diesel, e portanto acabar com a água até que a estrada seja reaberta. Pior; se cair um caminhão lá dentro, pode acabar com a água por um prazo difícil de calcular; o potencial de contaminação de um caminhão-tanque de 40m3 de diesel é imenso. Como não há, a essa altura do campeonato, a opção de não se usar o volume morto, pelo menos, até o ano que vem (o ideal é sim, nos desmamarmos dele eventualmente, mas por enquanto não dá), devem ser instalados os equipamentos - cabos elétricos, bombas idem, etc - para garantir que ele não falhe de maneira catastrófica.

5) A idéia de se beber água do esgoto não é o absurdo que se pensa. É praticada em locais desérticos mundo afora. É praticada, por exemplo, no condado de Orange, na mesma Califórnia em que as soluções mais "tradicionais" de se buscar água cada vez mais longe acabaram com o rio Colorado. A questão é como usar essa água; a proposta do governo do estado é recalcar a água depois desta ter sofrido tratamento secundário plus. Tratamento primário remove 80% da sujeira removida; 2º 98%; 3º deixa a água quase limpa, mas ainda não adequada para consumo humano. O tratamento previsto pela Sabesp inclui parte dos sistemas duma planta terciária, deixando a tarefa de acabar de depurar a água para os sistemas naturais dos reservatórios. O problema dessa opção é que os sistemas naturais dos reservatórios em questão já estão no limite. As represas a sul estão englobadas por uma mancha urbana e industrial (e são mais rasas de qualquer jeito); as represas a norte sofreram, com a brincadeira de volume morto e volume morto 2, o pai dos baques tanto nos sistemas hidrominerais quanto no ecossistema. Para bebermos a água de esgoto em segurança, precisamos dum sistema caro mesmo: como em Orange County, filtragem direta, forçada, artificial, até o nível molecular.

De longo prazo:

6) A idéia de se buscar água distante e morro abaixo, com 15Mw de gasto elétrico só para fazê-la subir e depauperando mais uma área da serra do mar, pode ser engavetada. O custo-benefício dela não é apenas menor do que o de medidas de economia; é menor até do que o superequipamento de filtrar água do esgoto. Claro que, de novo, entramos nas contradições de uma empresa que administra um bem público hiperescasso ser listada em bolsa, com o incentivo ao crescimento eterno que é próprio das bolsas de valores. Mesmo pagando os tais 15Mw de energia elétrica, a Sabesp teria lucro com mais água vendida, lucro que não teria com a economia de água. Cabe aqui, falando em perdas e ganhos, também comentar que os poços artesianos de São Paulo são primariamente recarregados pelas perdas da Sabesp; qualquer plano de longo prazo deve levar em consideração que, diminuindo as perdas, diminui-se a capacidade desses poços. E lá vai mais dinheiro com mau retorno financeiro... pelo menos deve ser aberto o debate sobre a reestatização total da empresa, já que não se preocupar com os lucros dos acionistas minoritários pode até ser crime.

7) Universalizar o saneamento na região, contribuindo para aumentar a quantidade de água limpa útil disponível em todos os pontos da cadeia. (Lembrando que ainda tem muita gente rio abaixo de nós.)

8) A idéia de recuperar as matas ciliares parece óbvia, se a primeira coisa da lista de desmandos do outro post foi a sua depauperação, já que aumentaria a capacidade total do reservatório em até 50%. Et pourtant... ela só pode ser uma ação de longo prazo, e em condições extremamente controladas. Isso porque a mata precisa de água para crescer, e pode sorver até 30% da água que iria parar no reservatório, até chegar à maturidade em que sua contribuição é estável ou positiva. Só se pode fazer um programa de replantio robusto quando já estivermos desmamados do volume morto. O replantio é absolutamente essencial, mas na situação em que nos encontramos ainda não é possível. Como fazer exercício para alguém que está com o braço quebrado.

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